De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

31/07/2011

POLÍTICA

Fotografe o instante de
um sorriso aberto (hipócrita)
e verá que tudo não passa de um jogo,
jogo fértil,
com poucos vencedores,
e sempre
incontáveis perdedores.

Terá a prova, para as futuras gerações
que o futuro é uma linha cheia
de repetições do passado,
passado,
que se liga com os dias posteriores
na linha cheia de pontos brancos
e interrupções
e saltos
que fazem do presente
irrealidade e mescla de mentiras.

E noutros dias,
depois de curtos anos,
tudo começa de novo...
E a fotografia do sorriso falso
para sempre sabe, soa, parece
atual.
Tanto quanto a rotina de cada um,
a escolha de cada um,
o erro de cada um.

Tudo sempre assim, porque
assim é melhor,
o que mais convém.
O que não há porquê mudar.

29/07/2011

LINEAR

Ela veio!,
balançou os sonhos com a luz dos
seus cabelos que brilhavam e meus olhos
refratavam seu rosto para
dentro de mim.

Ela veio!,
trouxe minhas próprias palavras,
eu as tinha perdido;
as palavras refletiram quem sou
para quem ela era.

Ela veio!,
seu corpo esguio dançou meu canto
e sua doce voz traduziu meu sentimento.
O silêncio, palavra da fé,
refletiu semelhança ao amor.

Ela veio!,
eu estava ausente.
Ela estava ausente,
refletiu uma visão baça e nua
dos dias que jamais recuperei.


Fez muito sucesso entre aquelas que leram. Azar o meu que, em tempos de platonismo puro, quem tinha que gostar... Nem viu!

22/07/2011

Ainda vale a pena...

Ser professor de escola pública não é fácil. E a interpretação das pessoas sobre tal dificuldade, em geral, é muito simplista - inclusive por parte de muitos professores.
Eu sou um sujeito que tem verdadeira satisfação em retirar toda caixa de filtro de ar de um carro, lambuzar a mão de poeira e graxa, sofrer no escuro para desparafusar uma buzina, desmontá-la, limpar seus contatos, colocar tudo de novo no lugar e, no final... Vê-la voltar a funcionar! É a satisfação pelo resultado. Uma gloríola, admito. Muito pessoal e individual, inclusive. E é justamente isso que falta no trabalho de professor, pelo menos para mim: ver concretamente um resultado. Acredito que fazemos, em maior ou menor grau, um papel positivo para os alunos. Entretanto, são resultados que dificilmente podemos enxergar, porque eles aparecem quando os alunos não estão mais conosco.
Os resultados mais imediatos, os que cada um de nós gostaria de ver exatamente naqueles conteúdos, temas ou assuntos que trabalhamos, quase nunca acontecem. É por isso que tenho que agradecer minha aluna Larissa Stephany, da oitava série, pela disposição e interesse em ir além de pesquisar, escrever e apresentar o trabalho que solicitei, construindo o vídeo que vai abaixo...

Larissa, um beijo e obrigado pela singela lufada de esperança.

21/07/2011

DO FUTEBOL PARA A VIDA...

Sempre me considerei um apaixonado pelo futebol. Durante tanto tempo - a maior parte do tempo da minha vida - o vi como uma atividade deliciosa para quem a pratica, acompanha, comenta, torce, trabalha, irradia, analisa, etc.

Mas ultimamente tenho uma conclusão um tanto mais psicológica para o gosto que eu (e creio que muitas outras pessoas) tenho pelo esporte, que tem a ver com o que ele tem lúdico, do tanto que "brinquei" de futebol quando criança, dos times de futebol de botão que ainda guardo, de por causa dele (eu, muito pouco) ter vivido aventuras, conhecido gente diferente, enfim, de tanto ter me divertido nos anos em que, puro e inocente, via na televisão, nas fotos, nas revistas, tantos "marmanjos" também brincando e se divertindo com o esporte bretão.

O problema é que, conforme o tempo passa, na verdade felizmente, grosseiramente infelizmente, vai-se tomando tento do que há por trás das cortinas: falta de caráter generalizada, negociatas obscuras, malcheirosa promiscuidade com o poder público, montanhas de dinheiro, mentiras, etc., etc., etc.

Nestas duas últimas semanas, dois fatos do futebol chamaram extremamente minha atenção: a tentativa (efetiva, mesmo, será??) do Corinthians, o time pelo qual ainda insisto torcer, de contratar o argentino Carlos Alberto Martínez, vulgo Carlos Tevez, de 27 anos, pela módica quantia de 60 milhões de dólares. Ou seja, o clube brasileiro iria pagar 3 vezes mais para contratar o mesmo jogador que contratara no final de 2004 / início de 2005, então com quase 21 anos. Mais que isso: contrataria novamente o jogador pelo qual pagou mais de 20 milhões de dólares, fora salários e premiações por ano e meio, e que perdeu sem ver um centavo sequer. O time queria recontratar o jogador que saiu do clube como se fosse um proscrito, que "fugiu" na calada da noite sem dar satisfação, que abandonou o clube e, pior, seus companheiros de equipe, sem dar maiores satisfações e sem qualquer tipo de prevenção.

O outro fato envolve também a torcida, desta vez do Palmeiras, que ontem aplaudiu, ovacionou e berrou a plenos pulmões o nome do atacante Kleber quando sua escalação para a partida contra o Flamengo foi confirmada. Neste caso, é mais flagrante a postura de caráter duvidoso do atacante, que ficou quase três semanas envolvido numa suposta transferência justamente para o Flamengo. O atacante chamou o vice-presidente do clube, em entrevista pública, de mentiroso e mau-caráter, e não se pode esquecer que, há poucos meses, queixou-se de que não tinha apoio do treinador. Este é o mesmo Kléber que comemorava gols do Palmeiras e visitava as "torcidas" organizadas do clube enquanto era atleta do Cruzeiro, numa clara "forçação de barra", até que finalmente conseguiu sua transferência.

O angustiante, nos dois casos, é o apoio da sociedade, ou pelo menos pela maioria da parcela da sociedade atraída pelo futebol, aos atletas. Ficam evidenciados os valores que vêm sendo cultivados no mundo contemporânea, quais posturas pessoais são tidas como elogiáveis e corretas, sempre partindo de um ponto de vista abissalmente individualista; então, a partir do futebol e pela gigantesca, incomensurável e incomparável repercussão do esporte, podemos observar qual é o grau de adoecimento da nossa sociedade. E, do futebol, podemos extrair ainda um sem número de outros (maus) exemplos: a inocente e incoerente suposição de que os jogadores podem ter um comportamento dentro de campo e outro distinto na vida cotidiana (como se o caráter pudesse se dividir em dois), como se desperdiçam milhões e milhões no absurdo de organizar partidas de futebol  ("espetáculos") a um custo irreal, não compatível com as demandas sociais (gerais, não específicas, não estou falando de "fome" ou "miséria" simplesmente, mas de forma muito mais abrangente), das negociatas escusas e não-explicadas (porque não têm explicação e porque delas não se cobram explicações), do enriquecimento mais que suspeito de todos aqueles que se envolvem com o esporte, além de tantas suspeitas que não consegue-se afastar, de manipulação de resultados, de fraudes, de lavagem de dinheiro, de jornalistas e comentaristas divulgando e comentando conforme o seu "rabo-preso" com este ou aquele empresário ou com este ou aquele jogador...

Que é isso? O que se tornou tal esporte? Aliás, teria deixado o futebol de ser esporte? Virou pura e simplesmente "negócio"? É para isso tudo que se pregou e ainda se prega a tal "profissionalização"? Com tal objetivo deixou-se de "amar" a atividade, afastou-se o "amadorismo"? Não será este o palco onde, repito, exibe-se o grau de adoecimento e de apodrecimento de nossa sociedade? O que esperar? O que sentir quando se vê tantos meninos e, hoje, não poucas meninas, com o sonho de se tornarem "jogadores de futebol"? Como alguém em são consciência de tudo o que acontece neste "esporte" pode incentivar uma criança a entrar nessa? Por que o país (ou UM país, seja ele qual for) aceita organizar um evento como a Copa do Mundo submetendo-se a prática de privilégios grosseiros, escancarados e inaceitáveis a uma entidade e a "meia-dúzia" de empresas e empresários?

Não dá... A cada dia, fica mais difícil continuar "aceitando" o futebol ao mesmo tempo que se pensa o mundo. Tenho sérias desconfianças que minha parcela "criança" não resistirá a tamanha sujeira.
Queria eu ver apenas mais uns dois ou três pessoas que repercutissem como o Dr. Sócrates Brasileiro ponderando o futebol.
Pena que ele é um só...

19/07/2011

O que será...

...  que aconteceu de tão grave quando expeli em tinta o que vai abaixo?? Sinceramente, não me recordo. Era do tempo em que marinava meu fígado em... Bem... E que chamavam a mim e outros três de os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Pelo conteúdo, dá p´ra notar que havia um alto grau de injustiça, né não?


TERMO DE COMPROMISSO

Concordo com as leis que fizeram nosso mundo
e abro mão da minha sinceridade.
Passarei a seguir os passos de quem sempre
procurou me guiar para o lado do qual mais me escondi
durante os anos da minha curta e experimentada vida.

Tudo isso pelo desânimo de procurar flores
e encontrar apenas pétalas dilaceradas,
procurar verdadeiras amizades
e encontrar dissimulação em tantos caráteres
procurar o deleite da alegria
e encontrar apenas medo, fuga
procurar um tanto de amor
e encontrar tanto ódio.

Assim,
ergo minha mão direita e me comprometo
a lhe ser fiel!
(Só não posso prometer mostrar contentamento...)
Pois o mundo que me cerca era um que fizeram
questão de destruir. Caminharei ao lado de quem
repelia, de quem me assustava e
de quem me magoou.

Simplesmente para acreditar nas palavras...
Ser feliz me conformando com a vida, com a vida,
com a vida como ela é e jamais soube ser para mim
o que de mim esperavam e o que para mim queria.
Não precisarei mais sorrir
e poderei, finalmente, fechar os olhos e dormir
sem nunca mais permitir que  o inconsciente brote
dos confins das memórias mais belas para me
atormentar com a preparada lâmina das saudades.

Eu prometo me conformar,
eu prometo obediência
e prometo não ser mais quem fui.
Mudando a maneira que sempre procurei para
semear felicidade, agora irei,
com minha infelicidade,
colher os sorrisos de todos os que serão enganados.

Que me perdoe qualquer outro plano metafísico!

18/07/2011

Canção 1

Essa foi encomenda de um amigo músico... Que eu não mais encontrei! 
Tinha até linha vocal, mas eu não lembro direito não... E também tinha título, no original que perdi. Revi, reescrevi, perdi o refrão, ´tá aí:


Vagando nas ruas
sem saber onde vou chegar.
Sem destino, nenhum lugar...
Cabeça em uma, duas luas.

Com nada, e nada é pouco -
quase nada p´ra cobrir meu corpo
e não me conforta seu pudor
seu mundo repleto de dor.

Amanhã, mais um dia
um trocado sem valia
para curar o amargor de alguém como eu,
merecedor de mais do que você prometeu.

Só penso se quiser, e é, sei,
tenho mais que tentar fazer valer
mesmo que do meu jeito, com minha lei,
pois o que agora é regra um dia deixa de ser.

E sentindo ou não
a aguda dor da solidão
não é tanta a cegueira para me impedir
de afastar tão grande senão
no meio da bandalheira que, sei não,
mas ainda tem por onde ir.

Então sou eu quem faço minhas dores
peço ajuda até para os desertores.
Um dia, alguém vai enxergar,
por isso não vou me entregar.

Quando aceitarem assumir
o que realmente quero
vai ser mais fácil ouvir
ser, querer, aprender, viver.

13/07/2011

Por volta de 20 anos. Ambas têm nome! Reticências ao encerrarem...

Estes foram bons dias, grandes dias, faltava pouco para o ideal. Afinal, depois da tempestade, sempre vem a bonança.


Tais Estações

Claro, escuro, penumbra,
onde estão os homens perpetuados?
Somar, dividir, multiplicar,
qual o resultado do seu passado?

As claras manhãs,
as fugidias tardes de outono
as noites negras de Lua Nova;
a vermelhidão do Sol angustiado,
a palidez da Lua desenternecida.

Noites sem sono, longos dias,
tardes perdidas
janelas fechadas; a porta
entreaberta
esperando teu vulto e
o final da estação . Flores sem cheiro
grama seca
homens nus, você nua, pouco mais,
nada além...




É do mesmo dia, mais tarde. O pequeno pavio da minha gigantesca indignação aceso com um lança-chamas.

Horário Nobre

A gratuita publicidade da morte
entorpece desde os mais fúteis
até os que vivem em fuga;
ela jamais acabará, e
assim será a sepultura
das visões refratadas do discernimento.

São belos quadros coloridos,
doces sorrisos mórbidos que
ainda não têm onde fixar-se.
Tudo muito bem pago,
com a nobreza exigida pelo horário.

E os corpos
que aos poucos
fenecem,
que pagam para mais cedo
encontrar o fim,
sorriem e se convencem,
destróem e sentem-se bem.

Pobres deles, grande parte,
eternos inocentes...

03/07/2011

40 ANOS SEM JAMES DOUGLAS MORRISON

Há quarenta anos, em situação até hoje obscura e preenchida por espessas dúvidas, falecia na cidade de Paris o floridense James Douglas Morrison, também conhecido como "Jim" Morrison. Tinha pouco mais de 27 anos, aproximadamente a mesma idade em que morreram Janis Joplin, Jimi Hendrix e Brian Jones (integrante da formação original dos Rolling Stones, morto nos EUA). Nascera num 8 de dezembro, mesma data na qual, uma década depois, morreria John Lennon (há muito mais semelhanças entre ambos, dois dos maiores gênios da música, do rock´n´roll, do que se pode imaginar).

Para quem verdadeiramente conhece a obra deste esplendoroso e completo artista, em toda sua amplitude, pode-se dizer que há quarenta anos o "Rei-lagarto" (ou "the Lyzard-King") encerrava o ciclo que tantas vezes anunciou: o fim. Não antes, fez tudo, conforme anunciava em "Not to touche the Earth": "I´m the Lyzard King - I can do everything":

Se ele é relativamente conhecido apenas pela sua parcela "rockstar" enquanto integrante dos Doors ("The Doors"), não se faz justiça a tudo o que ele foi. Evidentemente, foi na banda, gravando discos e fazendo "shows" que ele se tornou ícone, pois foi a melhor- ou única - forma que teve para revelar tudo o que era: um autor, um poeta, um ator, um cantor, um pensador, um amador. Alguém que, como compositor e vocalista de uma banda de rock, exuberou suas produções com a influência do único período profícuo e elogiável da literatura estadunidense - a geração beat - "the beat generation"); com o que havia de sombrio nos poetas William Blake e Rimbaud, mais toques de Baudelaire; com o teatro avant-garde, com Arthur Miller, com Bertolt Brecht...
 < ... e, posteriormente, com o Living Theater e suas experimentações...
... com um toque da psiquê freudiana (é pesado, mas é... "Father, I want to kill you... Mother, I want to fuck you", em "The End" que está lá, quase no fim da postagem), com a influência do cinema, que chegou a estudar e abandonar justamente porque seu rompimento com os padrões estéticos da época eram exageradamente acentuados. Tamanho caldo cultural já estava temperando as idéias de Jim Morrison, com pouco mais de 20 anos de idade, no célebre encontro com o ex-colega de Universidade, Raymond Manzarek, encontro este que, reza a lenda, deu início à banda e até à escolha do nome, baseado nas "portas da percepção" e o canto à capela, com melodia, de "Moonlight Drive":
O jovem que, sem tocar sequer uma gaita, compunha canções com a melodia pronta. Que foi do (pouco) amor à (muita) dor, da esperança (quase nula) à tragédia (constante), do nativismo (circunstancial) à rebeldia (inevitável). Fazia de cada canção e de cada apresentação a oportunidade de ousar, de experimentar, de ultrapassar os limites, como já se previa no começo de sua história "Break on through (to the other side)":
Mesmo tantas vezes sendo tão tipicamente estadunidense, sempre esteve pronto a protestar e apontar os erros: "may take a week - and it may take longer - they got the guns - but we got the numbers":
Infelizmente, o "pacote" de genialidade de Morrison incluía uma sombria filosofia, "Some are born to sweet delight - some are born to the endless night"...
..., da inexorabilidade do fim e, por isso, com uma busca incessante pela autodestruição - que, por outro lado, o habilitava para tamanho experimentalismo. Por conta disso, o uso ocasional de drogas hoje ilegais - em muitas ocasiões e com muitas variedades, mas, segundo várias testemunhas, sem vício - e do incessante, abusivo, debilitador e devastador uso do álcool, encurtou por demais sua vida, fez ele chegar ao que tantas vezes pregou:
Mas a prova de quem foi, do que era e de como queria ter sido visto - ou não-visto - pelo mundo veio anos depois de sua morte, quando os ex-companheiros musicaram alguns poemas que o próprio tinha gravado. Para encerrar, vai uma das faixas...

Fica aqui, então, um pequeníssima homenagem - a que me cabe, a que eu posso - a um gigantesco artista.

01/07/2011

REMEMORANDO...

Estive conversando hoje com colegas a respeito da situação da educação pública. Os rumos da conversa eram outros, mas recordei do artigo que escrevi para o Observatório da Imprensa e que foi publicado em 13/11/2007 (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/voz-do-professor-raramente-vem-a-tona). Uma pequena parte dos meus pontos de vista presentes no texto claramente mudaram, mas evidentemente o "leitmotiv" ainda é o mesmo. Vai ele reproduzido abaixo:

VOZ DO PROFESSOR RARAMENTE VEM À TONA


"Todo mundo fala sobre educação e quem trabalha diretamente com o assunto, que é o professor, não pode falar. Isso faz parte da tentativa de fazer com que o ofício perca o seu caráter político. O professor está perdendo a voz, a autoridade", disse Mariângela Graciano, coordenadora do Observatório da Educação, em texto de Rubem Barros, do Portal Revista da Educação, em 10/09/2007.

Profissionais em educação, quando não incorrem no grave erro de permanecerem silentes, são postos silentes por jornalistas, pauteiros, administradores públicos, comentaristas "pensadores" (entre aspas porque são reconhecidos como tais), empresários, artistas, jogadores de futebol... Como todos eles, dando seus palpites sobre educação, especialmente a pública. E raríssimos – para não dizer nenhum – têm conhecimento suficiente para isso. Portanto, independente da causa, o fenômeno retratado na frase de Mariângela (professores perdendo voz e autoridade) reflete-se na real e enorme parcela de culpa dos professores para a baixa qualidade do ensino público no Brasil: o silêncio espontâneo ou imposto e aceito.

Para discutir os problemas da educação pública, incluindo suas causas, aqueles que os vivem cotidianamente precisam ser ouvidos. É condição para a busca de alguma solução. Mas por conta da forma como o tema é debatido, independentemente da abordagem, as (poucas) teses unânimes entre os professores nunca vêm à tona ou são consideradas superficialmente, de maneira tal que sociedade e consumidores de informação não podem visualizar a verdade.

FERRAMENTA PARA FINS BIZARROS

É comum que matérias, textos, ensaios, entrevistas e reportagens especiais sobre educação se baseiem em dados estatísticos ou em índices econômico-financeiros, infalivelmente margeando questões funcionais e salariais, sempre criticando a categoria. Vivemos, no que concerne ao debate sobre o tema, não meramente a era estatística e economicista da educação, mas também a era da crueldade e de uma desesperada busca por culpados. Diante da tempestade, quais questões estão ausentes no debate sobre educação pública?

O pequeno investimento do Estado na educação é tão evidente quanto trágico, mas não é o único problema (em algumas das redes públicas de ensino, talvez não seja nem o maior deles). A questão reside também em como e para quê são utilizados os recursos. Quando parte do orçamento de uma gestão, independente da esfera de governo, é usado na contratação de consultorias, auditorias, ONGs e OSs que pouco podem contribuir com os reais objetivos da educação e que mais servem para contentar "compadres", amigos, aliados e financiadores com contratos públicos (e é neste nicho que se explica a Prova Brasil, SARESP e Prova São Paulo, por exemplo, além de outros incontáveis projetos federais, estaduais e municipais) ou em processos de terceirização de serviços que são absolutamente cruéis e dicotômicos – o objetivo imanente de qualquer empresa privada é o lucro, não o serviço ao público – ou em abomináveis programas assistencialistas que, como no ditado popular, "colocam o carro na frente dos bois" e são usadas eleitoreiramente (usar o termo "eleitoralmente" transmitiria uma impressão nobre demais para o caso) ou quando se estende a abrangência de programas que beneficiam, antes do bem da educação, o caixa de muitas editoras, fica evidente que o primeiro objetivo no uso dos recursos destinados à educação não é o de implementar sua qualidade, mas sim de usá-la como ótima ferramenta para bizarros interesses.

TRISTE DEFINIÇÃO

Não bastasse isso, mais recursos são desperdiçados – ou distribuídos – em publicidade governamental mentirosa. A crítica não é a este ou aquele partido, à União ou qualquer unidade federativa ou qualquer município em particular: é uma prática generalizada, vil, quase criminosa; qualquer um que realmente se dedique à educação, indigna-se ao ver ou ouvir um prefeito, governador, secretário, presidente ou ministro contar meias-verdades ou absolutas mentiras.

Por conta de tudo isso, a escola pública – falo, sim, sob risco de uma generalização quase injusta – perdeu seu papel. Transformou-se num centro assistencialista (usado com objetivos pérfidos), onde a população pode tudo, acumulando incontáveis direitos e para o qual não tem nenhum dever, e suas poucas obrigações, que só podem ser discutidas e cobradas no âmbito legal, são tratadas com leniência pelo Estado, que prima pelo cumprimento da Lei quando lhe é viável economicamente e mostra-se perfeito em ignorá-la quando exige o uso do erário público ou a funcionalidade de sua estrutura. E é por isso que já há anos a instituição escola pública, contrariamente ao que deveriam ser seus objetivos e em detrimento dos esforços de muitos dos profissionais que estão cotidianamente dentro dela, ensinam constantes lições de irresponsabilidade, impunidade – tão debatida e criticada em outros âmbitos –, indiferença e comodismo, não só aos seus alunos regularmente matriculados, mas muito mais a boa parte dos pais, mães e responsáveis por eles.

A escola pública é, indiscutivelmente, a melhor ferramenta que o Estado brasileiro tem para se aproximar e amparar sua população. Mas, infelizmente, travestiu-se em ferramenta político-partidária usada com desfaçatez por todos os matizes da política nacional.

Chegamos a uma triste definição: falar de escola pública não pode mais ser sinônimo de falar em educação pública.

TREVAS ESTÃO DE VOLTA

Não bastasse tudo isso, ou por causa de tudo isso, a sociedade brasileira, no sentido mais amplo, não tem preocupação consistente para com a educação pública (talvez tenha com a escola, por ter ela se transformado em centro assistencialista). Indistintos setores criticam a situação das escolas, as condições e a aprendizagem em geral dos alunos e principalmente os profissionais em educação, mas nenhum setor faz, pelo menos, sua parte para colaborar na recuperação da importância do saber, do conhecimento e da aprendizagem como valores. Ao contrário, instiga-se um consumismo crescente e inconseqüente, mergulhado nas supostas facilidades da suposta vida moderna: não se lê porque se pode ouvir ou ver, não se pensa porque é fácil obter idéias prontas – ainda que absolutamente equivocadas. E tudo com seu preço, consciente ou inconsciente. Nenhuma reflexão sobre as conseqüências mediatas e imediatas que têm os infindáveis e variáveis produtos ditos de informação, consumidos aos montes, diariamente, e que se revelam enorme lixo (sub)cultural. Deixar de tocar tal música por conta do que ela diz e quem ela atinge: jamais, pois é censura; não exibir o programa em virtude do risco de apologia às drogas, ao crime: antiquado; criticar a literatura de viés puramente comercial: discriminação; dispensar anunciantes por causa dos riscos apresentados pelo produto: inviável.

Fiquemos com canais, programas, quadros e inserções "especiais" valorizando a tolerância, a cidadania, a língua, a ciência, a educação e o saber. Tudo feito como "detergente da consciência": "Vejam só, discutimos os problemas, temos responsabilidade social". Ora... Conveniente para a mídia audiovisual, que tem compromissos públicos legais – pouquíssimo divulgados e ainda menos cobrados –, para manter as concessões. E, além disso, tudo "escondido", perdido em horários inviáveis, não divulgados, por isso jamais atingirão o público: ele faz suas escolhas que, em 99 dentre 100 possíveis, beiram o lixo. Qual poderia ser o resultado? As trevas culturais da Idade Média estão de volta, sob nova forma. E não há perspectiva de um novo Renascimento. A humanidade, com conhecimento cada vez maior; o indivíduo, com um saber cada vez menor.

EXPERIMENTOS IMPRATICÁVEIS

Vejo-me obrigado a acreditar, tristemente, que corremos o risco de retornar ao absurdo da mais cruel das censuras, como resultado da incapacidade da ponderação e da irresponsabilidade generalizada tanto de quem produz como de quem consome a informação desinformadora, desestimulante e deseducadora.

Não bastassem os problemas aqui citados e outros mais comumente debatidos, resta o que talvez seja o maior dos dramas: o academicismo inútil que permeia as práticas e políticas pedagógicas no âmbito público.

Beira o misticismo, ou já se transformou em mistificação: nova visão sobre a capacidade cognitiva das crianças e adolescentes, novas formas de alfabetização e ensino, novas práticas, métodos modernos. Sou professor, mas vejo atualmente a pedagogia como uma ciência que parece desprezar completamente o empirismo: cria-se teoricamente o novo e não se observa a sua aplicação. Digo que parece desprezar porque, na verdade, não despreza, mas desvirtua o empirismo. Inúmeros autores teorizam sobre práticas educativas, baseados em experiências que jamais serão reproduzidas nas salas de aula das escolas públicas brasileiras: projetos com meia dúzia de crianças selecionadas acompanhadas por mais de um profissional em educação, dotados de todos os materiais planejados... Experimentos que se mostram um grande sucesso, mas são fantasiosos por serem evidentemente impraticáveis nas escolas de verdade, tais como elas são hoje.

INCLUSÃO É EXCLUDENTE

A superlotação é o primeiro e principal dos problemas: das redes públicas que conheço, a mais razoável em número de alunos por sala forma turmas de, no mínimo, 25 alunos no 1o ano/série – e é discutível se somente com 25 o trabalho já é tão produtivo quanto poderia ser. Outras redes públicas colocam professores em salas com 40 ou mais alunos, em espaços diminutos e precários. Além disso, em regra as práticas demandam quase que um sacerdócio – já realizado, não raramente – dos profissionais em educação: a pesquisa, a coleta e a disponibilização, por sua conta (tempo e dinheiro), de material informativo/conteudístico/sensibilizatório de qualquer natureza, para o andamento das aulas. Alunos têm os materiais básicos – quando os trazem, quando os usam; nós temos disponível, como regra, a voz, o giz e a lousa; quando muito, um livro didático – que dificilmente acompanha as mesmas práticas pedagógicas que nos são cobradas, posto que são obras prontas, remetidas para que façamos uma simples escolha – e, como regra, quase nunca atendida: não raramente, recebemos a segunda ou terceira opção apresentada.

Para chegarmos ao cúmulo, adotou-se no Brasil o discurso da inclusão. E aqui não vai um questionamento quanto à validade ou necessidade de se adotar a prática inclusiva de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais. Mas a questão reside no fato de que ela simplesmente não ocorre. Alunos com limitações físicas ou de aprendizagem são submetidos a salas superlotadas, atendidas por um único e sobrecarregado profissional, sem receber a atenção, os esforços e os cuidados convenientes, e sua presença na escola torna-se pouco significativa para ele mesmo. Além disso, os colegas também sofrem as conseqüências de aulas seriamente prejudicadas pela presença de um aluno como esse. A inclusão mostra-se, portanto, a mais excludente das práticas: prejudica severamente os alunos para incluir e os demais da sala, tornando o processo educativo um fracasso continuado.

MANTER OS SUPERÁVITS

E os professores dedicados, responsáveis – que não são poucos, nem a minoria – são comumente jogados na vala comum dos maus profissionais: taxados de incompetentes, mal formados, preguiçosos. Isso já é há tempos tema freqüente de matérias jornalísticas, e de certos dementes (adjetivo que lembra muito o nome de um renomado articulista, useiro e vezeiro em falar sobre educação, mas que provavelmente nunca pôs os pés dentro de uma escola pública nem como aluno) que vêem no professor o problema central da qualidade do ensino no Brasil.

Mas para além da questão dos salários – problema muito (mal) debatido – há o grave entrave da jornada de trabalho do professor: primeiro, perpassando a própria questão dos vencimentos, já que a maioria dos professores tem mais de um emprego ou mais de um cargo para manter um nível de vida meramente nos padrões mínimos de dignidade; e o problema de como se compõem as jornadas: quando não integralmente, a esmagadora maioria do seu tempo de trabalho é gasto dentro da sala de aula. Como regra, para todas as outras atividades intrínsecas ao seu papel profissional, há que se usar o parco tempo que sobra para corrigir, checar, preparar aulas, pesquisar, atualizar-se, formar-se, capacitar-se. Só com o milagre da multiplicação do tempo ou em outro planeta, onde a duração do dia seja maior que as 24 horas terráqueas, seria possível cobrar-lhes qualidade total em suas aulas.

É uma questão de visão e de opção, e a administração pública, sem ver ou fingindo que não vê, opta: quanto menos professores, melhor; quanto mais eles trabalharem – e só em sala de aula, melhor. Mantêm-se os superávits...

O CAMINHO CORRETO

Para os repórteres, pauteiros, colunistas, comentaristas – ou, mais genericamente, jornalistas – famosos, queridinhos da mídia e outros palpiteiros não enquadrados nas categorias anteriores, tratar da educação pública como matéria séria e como o mais sensível dos aspectos do futuro próximo perpassa pela discussão dos temas acima. Entretanto, raramente eles são abordados. Raramente são vistos. Raramente são pensados. Adota-se a discussão de outros aspectos – também problemáticos – mas discutidos, quando não de maneira hipócrita, incompleta. Qual texto jornalístico da grande imprensa não inclui, obrigatoriamente, perguntas aos secretários de educação (estaduais e municipais) ou acadêmicos? E qual deles possui um relato consistente de um professor das salas de aula? As inúmeras doenças às quais os professores estão submetidos diariamente são tratadas como "indústria das licenças"; os problemas de formação aferidos em provas mal formuladas (por distantes do que é exigido em sala de aula) e em pesquisas "sócio-econômicas" e qualitativas, plenas de perguntas capciosas, são mostrados como conseqüência da incompetência e da má-formação dos professores; professores são vistos como profissionais de "vida mansa".

Como não consigo resistir, tenho que oferecer exemplo: um grande jornal brasileiro – o de maior tiragem no país – publicou recentemente, na mesma edição, uma matéria dizendo que os professores brasileiros aposentam-se mais cedo, se comparados a profissionais equivalentes de outros países do mundo, e outra afirmando que 42% dos educadores do país estão contentes com sua atividade. Apenas faltou dizer como se construíram essas conclusões, faltou informar que, no bojo da transformação das leis previdenciárias dos servidores públicos, as regras para aposentadoria são, hoje, completamente diferentes daquelas com as quais profissionais em educação já se aposentaram e que serviram de base para a comparação. E, do contentamento dos professores com sua profissão, além de não determinarem qual a técnica de amostragem, faltou incluir na manchete o depoimento de uma professora que integrava a matéria, que afirmou: apesar dos baixos salários, apesar das más condições de trabalho, apesar das frustrações, professores não deviam deixar de gostar de sua profissão. Talvez por puro sacerdócio.

Especialmente nos últimos anos, desabrochou a preocupação hipócrita e a discussão inconseqüente sobre educação. Alguns expoentes da mídia escrita aventuram-se, freqüentemente, a dar seus "pitacos" na educação e tirar conclusões parciais que ou são pouco inteligentes ou, pior ainda, comprometidas com interesses escusos – e, mais uma vez, o alvo são os professores.

Falta encontrar o caminho correto, tanto nas discussões como na prática político-social no que tange à educação. Atirar aos ombros dos professores a culpa pelo fracasso do sistema público de educação é simplório e, além de tudo, contraproducente. Achatar seus salários, piorar cada vez mais suas condições de trabalhos, cobrar-lhes cruelmente, e exclusivamente, por uma tarefa que é eminentemente social não resolverá os problemas. Ouvi-los, talvez seja um caminho melhor.