De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

23/09/2011

O nome assusta...

... Mas não há nem havia qualquer razão para preocupação.

MATRICÍDIO

Caíam os olhos desfeitos em
mágoa.
Agitavam-se as mãos tensas,
puro medo.

Reconheci, na figura
melancólica de um órfão,
algo tão próximo do desamor
que tomou conta do meu espírito
naquela tarde inconsistente.

E, daquela figura,
me transfigurei;
transformei
minha dor num ombro
banhado de consolo.
Mais uma vez esqueci-me
das próprias dores
e mostrei o que sou.

O que sou?

20/09/2011

MARIA ANTONIETA E O MALANDRO - OBSERVATORIO DA IMPRENSA, ED. 660 - 20/09/2011


Já há alguns anos, vivo um problema: meu fígado não suporta mais leitura de “jornalões” ou “revistões”, tampouco a audiência às “radionas” (no feminino, pois trato das emissoras) reacionárias do meu brasilzão, quanto menos do que dizem ser “jornalismo” nas TVs. Isso me expõe ao constante risco da ignorância sobre os fatos cotidianos, no qual não mergulho porque, felizmente, parece que no mundo não há mais novidades. Então, meu amargor oriundo dos absurdos do que ainda ousam chamar de “imprensa” mantém relativamente sob controle.
Entretanto, é relativamente sob controle, uma vez que não passo incólume ao que a mídia em geral expõe, noticia e divulga. Afinal, vivo em sociedade e muitas vezes, quase sem querer, acabo lá contatando tais absurdos, perpassando alguns modismos ou alguns nomes da moda. Um destes aí, da tradição reacionária da mídia escrita brasileira, é Luiz Felipe Pondé, que escreve artigos na Folha de S.Paulo. Não bastasse tudo o que eu ouço falar, além de alguns excertos, uma colega professora já me “brindou” com três recortes de artigos desse senhor.
No primeiro deles, ele elogiou o livro de Leandro Narloch (o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil), dizendo que o mesmo se amparava em boa documentação e “notas bibliográficas fartas” – aliás, no que ele tem razão, mas esqueceu de observar que 9 em cada 10 referências do Guia... sirvam para sustentar as teses correntes, e não a irônica e quase fascista visão de Narloch; no segundo deles, chamou os manifestantes de Londres de “sem-iPad” – e eu concordaria com ele porque realmente os incidentes pareceram muito mais fruto da insatisfação por não se conseguir alguns confortos do modo de vida liberal burguês do que insatisfação com a situação em si; entretanto, é evidente que tamanho consumismo é fruto, sim, da dinâmica social que vivemos, o que ele nega, atribuindo culpa ao comportamento moral, ou à falta de moral dos indivíduos (calma, não pasmem ainda!).
A moral do malandro
Por fim, no terceiro deles, publicado recentemente (12/9/2011) sob o título “Marketing francês”, ele busca diminuir o valor histórico da Revolução Francesa tachando-a como mera experiência de “marketing político”. Isso tudo porque o “povo”, que ele trata tal como um falso axioma, foi “violento” e, vejamos, das revoluções burguesas, foi naquela lá da França que essa (para ele) misteriosa entidade chamada “povo” tomou parte efetivamente, sem meramente contemplar ou ser levado de arrasto. Como se não bastasse, ele critica a razão revolucionária oriunda do Iluminismo – essa não me surpreende, em virtude da sua tamanha religiosidade sem religião.
Por fim, citando uma única historiadora (o que, segundo seu conceito, permite considerar que seu artigo apresenta uma “farta” base bibliográfica), as revoluções burguesas britânica e estadunidense foram muito mais importantes “pra mim, pra você, pra nós” do que o Iluminismo e a Revolução Francesa. Entendo suas razões... Os dois movimentos foram elitistas, não com o “povo”, embora tenham precisado dele em alguma medida. E, é claro, ele não podia terminar seu artigo sem dar uma cutucadinha em Marx, a grande pedra no seu sapato.
Sinceramente, eu ri... Lembrei primeiro, da versão “O Malandro”, de Chico Buarque: o “povo”, e “violento”, paga o pato por todos os problemas do mundo, assim como o malandro pagou o pato só porque filou uma cachacinha; já o português, o atravessador, o alambique e os banqueiros são vítimas da “falta de moral” do malandro, então podem roubar, desviar, falsificar, sobretaxar etc. Assim como a elite burguesa francesa, que depois não “aguentou o tranco” e abaixou a cabeça para o córsego baixinho.
Postura político-ideológica
Depois, lembrei de Maria Antonieta, que sugeriu ao povo comer brioches na falta de pão. Ora, o “povo”...Sans-culottes? Provavelmente só se revoltaram porque não tinham recursos para adquirirem a pecinha do vestuário. Sans-culottes antes, “sem-iPad” hoje... Fome? Que fome, qual nada! Voto universal para quê? Certos estavam os protestantes ingleses que derrubaram o rei, enquanto o povo trabalhava. Ou a elite colonial que, até o Primeiro Congresso da Filadélfia, preferia manter os privilégios coloniais ao invés de uma independência que pudesse dividir o poder, ainda que mal e porcamente, com o “povo”.
Realmente, a Revolução Francesa é supervalorizada em relação às revoluções Puritana e Gloriosa e à Independência das 13 Colônias; mas há uma explicação clara e evidente para o fato, que não reside na participação do “povo” no movimento. O problema, que Pondé jamais poderá enxergar – tamanha sua passionalidade ideológica, que ele tanto nega –, é que o ideário liberal-burguês já nasceu com uma mentalidade como a dele, que tira do “povo” quase até mesmo o direito de existir.
É hora de uma série de articulistas, tão presentes e tão repercutidos na mídia, ao menos terem a coragem de manifestar transparentemente a postura político-ideológica que defendem. Ao público, é impossível continuar admitindo que tais “pensadores” arrotem independência, coerência, racionalidade, neutralidade e imparcialidade, quando o âmago das suas teses se alinha claramente com uma maneira de ver o mundo.

16/09/2011

Tomando cuidado...

O interregno já foi maior porque fica cada vez mais difícil selecionar algo que valha minimamente a pena e que eu já não tenha incluído aqui. 

Nada sairá dos nossos corações
enquanto cada raio de luz da razão não
fizer adormecer as nossas dúvidas.

Nada brotará em nossa sensibilidade
enquanto cada gota de lágrima do mundo
não fizer-se drama universal.

Tantas mãos
separadas por um vazio de motivos,
toda angústia
e mágoas viciadas em negação.

E a distância...
Eterna distância que apavora
e nos isola
e nos desola
e nos desune...
Pasmadoramente, desune e
faz com que as mãos, além de separadas,
crispem-se no desolável receio da compaixão.

07/09/2011

07 de setembro...

Já é tradicional que o 7 de setembro seja também um dia reservado para manifestações populares. Infelizmente, independente qual seja a manifestação, elas pouco são abordadas pela mídia em geral.
O texto que recolho hoje tem uma pequena relação com isso...

MALOGRADO

Com o peso do mundo nos ombros,
homens caminham e tentam sorrir
sozinhos
sabendo que cada qual é igual
ao amargor de não sentir-se impune.

Cada qual procura a eternidade
no soar dos doces passos,
mas eles se arrastam
se submetem
ignoram seus receios.

Cada qual encontra a verdade
dissimulando seu passado e
modificando estereótipos óbvios
que trazem à tona a essência
do viver
nada
caminho
ilusão.
É assim que esquecem-se de viver.

04/09/2011

E O TEMPO PASSA...

Sempre que posso usufruir de uma pausa para reflexão - e isso é cada vez mais raro - noto mais claramente o quanto mudo com o passar do tempo. Fico burilando aqui meus papéis, em enorme quantidade, alguns com temporalidade evidente, outros sobre os quais preciso parar, fazer um esforço de memória e de coração e tentar lembrar o que se passou. Prova dessa mudança com o tempo é o que está aí abaixo, tempos em que eu ainda acreditava em certos imperativos, crendo na absoluta necessidade de ver todos observando o horizonte com os mesmos anseios - em tudo aquilo que é global, para todos. Isso deve ter mudado há muito tempo, mas tamanha insatisfação com a indiferença, à época, num ambiente realmente diferente daquilo que eu era e esperava ser, árido demais enquanto eu, iludido, esperava ver semear e cultivar a busca da justiça, levava-me para uma busca de alívio, de atenuantes para o incômodo intelectual. Hoje, espero muito menos. E hoje, onde estou - ainda bem! - encontro muito mais, despeito de ocasionais gigantescas discordâncias.


TEREBENTINA


Aos poucos, Sol a Sol,
num ambiente seco -
talvez infrutífero -,
ignorado pelos criadores de
palavras fortes,
ávidos por sorte,
terminei como todos:
ignorantes, tolos, infantis
cuidando do sem fim para
amargurar um pouco mais de incompreensão.

E o que houve?

Cada vez mais,
há tolos, infantis, ignorantes
amargurando sua incapacidade
trabalhando em prol do vazio e
analisando o que há de triste em sobreviver.

02/09/2011

ESSA TEM UM FILTRO...

É que o original (e fica no original!) está em inglês. Escrito exatamente em November 18th, 1992 - Aula 29A (era a penúltima).

"Free theme"

 This life was dropped by me
trough the midnight shadows,
full-moon nights, when my subjectivism
takes care of my old notes.

Sky crossed by birds
their tails show us the magnitude from
plumes.
Plumes that create a little sense,
making me forget the destiny of my soul.

It condened by my acts
I must be in pain to recognize the truth
and to have right to go to the most
beautiful place.

The pavement of glory is
beside that man, encaged in his
own mind.
I set myself free from my heart
but now
I don´t know where I am.

Where am I?
In "the corner of some foreign field"
living these years with insanity
between the empty spaces inside myself?

01/09/2011

Olhos e sangue

Traz de uma frase vazia
o mais constante verbo.
Realiza, empobrecido da verdade,
a transformação indesejável do nada para
a flor mais estuporada e malcheirosa.

Seus olhos estarrecidos com a revelação do absurdo
memorizam o contemporizador instante
da estupidez ininigualável.
Treme, dança em papéis,
simula telepatia e, por um instante único
e distante do tumor,
carrasco e excrescendo do fim dos dias.

Sua mão esbranquiçada, falecida,
segura o que julga a última arma:
não há quem deseje voltar
a Lua não substitui o Sol
e o frio congela a esperança.