De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

31/12/2012

Parte 4 - "A menina que roubava livros" (The book thief), Markus Zusak

Foi uma releitura.
Espetacular. Poderia acabar por aqui, mas vamos lá... Reler é ainda mais espetacular do que ter lido pela primeira vez.
Já falei do autor: http://www.soexperimentos.blogspot.com.br/2012/10/resenha-eu-sou-o-mensageiro-messenger_20.html
O australiano Zusak deve ter feito aqueles cursos de graduação, muito comuns nos EUA, para formação de escritores. Mas acontece que, se  isso serviu para torná-lo o escritor que ele é, que bom!! Pois, se ele já tinha demonstrado uma habilidade para técnicas narrativas diferenciadas no "Mensageiro...", na "Menina..." ele se sobressaiu. É técnica de best-seller, indiscutivelmente. Mas serviu à história. E, ah, a história...
Fiquei inconformado com o final do livro. Inconformado simplesmente porque ele acabou, porque não teria mais a história. E um final perfeito, com uma frase final que é um avassalador nocaute.
Livro belíssimo, tocante. As cores e o cinza. O amor mais sincero que nunca se demonstra. Maturidade à forceps. A generosidade na pobreza. Amores infantis. Sobrevivência, apego ao fato de estar vivo. O eterno combate contra o maior dos oradores, no meio dos sonos, inclusive àqueles de dias pós dias. Outro lado da Alemanha sob o nazismo (um lado que o maniqueísmo consciente ou inconsciente nega a todo custo).
Um bom punhado de personagens fantásticos, viscerais, humanos, de corações cheios e quentes. Até a narradora da história (não é humana), mostrou um lado humano (segundo ela mesmo, será??) gigantesco. Grande o esforço para resistir a tentação de pinçar várias e várias frases espetaculares, mas o que adiantaria fora do contexto?
Quantas lágrimas, e quanta vontade de continuar a derramá-las, mas o livro acabou...
Nas edições até aqui da Editora Intrínseca, até a capa é espetacular, perfeita - mas isso você só percebe, só entende, após a leitura.
Ah, não leu ainda? ´Tá esperando o quê?

Parte 3 - "O Seminarista" e "José", Rubem Fonseca

Tentando ser como ele...
Tenho profunda admiração pelo romancista Rubem Fonseca. Alguma reserva sobre seus contos.
Agrada-me a fluência de sua narrativa. A economia de palavras para descrever fatos ou narrar atos. A técnica de adjetivar com substantivos. Brilhante.
"O Seminarista" trata de um assassino profissional que decide abandonar a carreira, o que deixa mais fácil perceber seu viés epicurista. Comida, vinhos, mulheres. Como todo bom personagem de Rubem Fonseca, as mulheres o adoram e trepam (expressão muito fonsequiana) com ele sem muitas reservas ou considerações.
O livro prende. Tem uma história. É de um domador da língua, grande narrador. Ótimo passatempo, mas é revisitar vários outros romances do homem.
Aí, tem "José". Problema, para mim, é que trata-se de uma narrativa sem história. A infância, as mudanças, os choques econômicos da família; o autodidata José, que se tornou bacharel em direito e resolveu ser advogado dos pobres (que, pra variar, conheceu e trepou com um montão de mulheres). Pareceu-me uma coleta de reminiscências da própria vida do autor, embora anunciadamente ficcional. Quem é José? 

Parte 2 - Assassinato na Academia Brasileira de Letras, Jô Soares.

Misturar realidade e ficção, história e ficção. Forrest Gump, filme maravilhoso, completo, assistindo você ri, chora, enraivece-se, comove-se, indigna-se (roteiro adaptado de livro, por sinal).
Jô Soares "saiu" com um Xangô de Baker Street: com auxílio de dezenas de pesquisadores, misturou um pouco da história da cidade do Rio de Janeiro com uma passagem do londrino Sherlock Holmes pelo Brasil. Bom livro, grande divertimento, muitas curiosidades, grandes sacadas!
Depois, veio o "Homem que matou Getúlio Vargas", grande livro!! Um anarquista bósnio que viaja pelo mundo e termina no Brasil provocando a morte de Getúlio Vargas. Cômico, uma leve aula de história, e com a pesquisa integral do gordinho.
Agora, o "Assassinato..." já é abusar da boa vontade! De novo, a cidade do Rio, de novo, um grande mistério, de novo, um grande detetive (com um toque de Rubem Fonseca), e um desfecho previsível. Nam tão cômico assim o livro consegue ser.
Para mim, um fracasso. Li por curiosidade. Talvez valha para os fãs!

Parte 1 - antes que o calendário vire: resenhas, na ordem de leitura. Clube do Filme ("The film club"), David Gilmour

Conversando por telefone com meu amigo e compadre Renê, uns três meses atrás, por uma razão que não recordo exatamente ele citou o autor do livro, David Gilmour. Creio que muitos sabem ser este o nome do "lead guitar" do Pink Floyd, que ingressou definitivamente no grupo pouco antes da paranoia total do quarto fundador, Syd Barret.
Ouvira falar do livro anos atrás, quando do seu lançamento no Brasil. Atingiu a lista dos mais vendidos. Curioso com o tema (pai - David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd - "educando" o filho com 3 filmes por semana), várias vezes pensei em comprar o livro. Uma vez, inclusive, uma compra pela internet falhou (lembro porquê não...)
Pois é.
Ao ouvir sobre David Gilmour - autor do livro "Clube do Filme" - comecei digressões e cotejos sobre a obra e o nome do autor com o Renê (que sabe tanto de Pink Floyd e Rock´n´roll quanto eu sei a conjugação do verbo "enrolar" em aramaico), fiz uma rápida pesquisa na superultramaravilha dos tempos modernos - a intelnéte - e percebi que, como dissera o Renê, David Gilmour autor do livro era um cineasta-documentarista canadense.
Dias depois, ele e a Lu, sua companheira, me trouxeram o livro emprestado. Não lembro se num sábado ou domingo.
Comecei a lê-lo no final da tarde de segunda-feira.
Na terça, pouco após do almoço, com muito nó na garganta, terminei a leitura.
Para além de quem seja este Gilmour ou de quais filmes ele tenha utilizado - ótimos, bons, medianos, detestáveis, para o próprio selecionador -, o que me ficou, sendo pai, é o quanto pode ser ao mesmo tempo única e complexa a relação com um filho. E quantas "apostas" fazemos na relação, sempre na expectativa do melhor, mas assumindo riscos que nos levam ao desespero enquanto cada processo não se resolve.
O autor bancou o abandono da escola pelo filho com a tática dos filmes. Viu o garoto quase morrer pelo uso de cocaína - algo que, na indicação da narrativa, aconteceu apenas duas vezes. Mas, de aposta em aposta, a verdade é que tudo deu certo. E a inteligência e perspicácia deste pai, em vários momentos, é que me travou a garganta e enxaguou os olhos: conseguirei eu, diante tantos obstáculos, chegar perto desta sabedoria?
O grande mérito de Gilmour foi o de transparecer a emoção de se ter um filho, educar um filho, amar um filho; de situações que nos levam a transigir, que é o contrário do que faríamos caso não se tratasse da paternidade; e de sermos intransigentes e contraditórios na relação não de graça, mas porque tudo tem seu tempo, tem sua hora, e cada um tem sua individualidade, maturidade, etc.
Difícil.
Mas maravilhoso, razão de viver.
Leitura obrigatória para quem é pai. Mais ainda se pai de filho homem, pela especificidade da história.

21/12/2012

DE QUANTOS "FINS DO MUNDO" QUEREMOS FALAR??


Não sei por que entrou na minha cabeça que esse papo de fim do mundo seria às 6 da tarde. Certamente ouvi a bobagem em algum lugar.
Nos últimos dias estive pensando no “fim do mundo”. Olha, se houvesse outro tipo de ser vivo com inteligência similar ou superior à nossa, sei não, acho que isso poderia quase ser-lhes um desejo – fim do mundo no sentido “extermínio humano”, afinal, nunca entendi que o planeta Terra todo conheceria o fim – apenas estaria livre da presença humana - como diria o grande cantor, compositor, linguista e filósofo baiano, "se ele não aguenta mais as pulgas, se livra delas num sacolejo".
E, afinal de contas, não precisamos de nenhum fenômeno além das nossas próprias atitudes para gerar “fins de mundo”.
Júlio César, lá  pela metade do século I a.C., comandando exércitos romanos na tentativa de conquistar a Gália,  proporcionou a morte de 3 milhões de pessoas. Foi o fim do mundo para os gauleses.
Entre os séculos XI e XIII, das Cruzadas às estripulias de Genghis Khan, quase 40 milhões de muçulmanos morreram no mundo islâmico à Oriente. Para eles, fim do mundo.
Quantos nativos americanos, de Norte a Sul, morreram com a invasão e conquista europeia do continente? Dizem entre 50 e 100 milhões. Cadê os astecas? Cadê os maias, da tal profecia? Para eles, o mundo acabou bem antes!!
Das diferentes etnias e nações africanas, como calcular a quantidade de atacados, violentados, sequestrados, seviciados por obra da crueldade eurocentrista? Fim de mundo para eles, e especialmente para os que vieram para ser escravizados na América, mortos no mar, mortos em terra, mortos em tronco, mortos de fome, mortos doentes.
E o holocausto armênio pelos turcos, em plena 1ª Guerra Mundial? Fim do mundo até hoje para os herdeiros, pois o massacre de quase 2 milhões de armênios ainda não foi reconhecido pelos turcos.
Por sinal, e os 10 a 20 milhões de mortos da Primeira Guerra Mundial? Aquilo foi um fim de mundo!!!
E as 30 ou 40 milhões de mortes atribuídas ao regime stalinista, contra os “inimigos internos” do regime? Que fim de mundo!
Depois, 6 milhões de judeus caçados e exterminados na Alemanha pela mentalidade doentia de um homem, pela sua notável oratória e pelo medo e rancor que inspirou em outros milhões? Mais um holocausto, mais um fim de mundo!
Segunda Guerra Mundial, não nos esqueçamos: tem quem fale em 60 milhões de mortos. É ou não é o fim do mundo?
Indispensável falar de Hiroshima e Nagazáki: o quê pensou quem viu e sobreviveu àquilo?? Quase 200 mil mortos no tempo de se piscar os olhos duas vezes...
Holocausto cambojano, mais 8 milhões de mortos.
Guerra do Vietnã, 6 milhões de vietnamitas e 500 mil estadunidenses.
Sem falar de católicos contra huguenotes na França, belgas no Congo, franceses na Argélia, Revolução Cultural, regimes militares nas Américas Central e do Sul, hutus contra tutsis em Ruanda... E na China, 30 milhões com Al Lushan, dezenas de milhões em manchus contra mings, outros tantos na guerra do ópio...

Sem asteroide. Sem terremoto. Sem tsnuami, desabamentos, nevascas, tempestades, maremotos. Só pela ação humana.
Como disse dona morte, “constantemente superestimo e subestimo a raça humana (...) raras vezes simplesmente a estimo”.
Alguém aí ainda quer falar de fim de mundo?

20/10/2012

RESENHA: "Eu sou o Mensageiro" ("The Messenger"), Markus Zusak - leitura inédita.

Devo algumas para este espaço, mas tenho pacientemente esperado pessoas lerem alguns títulos antes de falar sobre eles. Mas deste, simplesmente não resisti. Não esperarei ninguém!

Conheci  Markus Zusak como autor um tanto com má vontade. Um dia tomei nas mãos "A Menina que Roubava Livros" ("The Book Thief") meio que de nariz torto, sentindo um cheiro de mero best-seller (não na definição de vender muito, que nem é problema, mas na de ser escrito primordialmente para vender muito). Mas aí, com duas páginas, a maravilhosa... 

Péraí... Não... "A Menina..." tem que ficar para outra vez, depois de uma releitura; só posso dizer que chorei, e que pelo autor decidi ler também "Eu sou o Mensageiro", mesmo com esse título religioso-místico-esotérico. E, pra começar, com a edição na mão, vem a informação que a obra é anterior à "A menina..." Começo a ler e me incomodo com a tradução (cheia de gírias, tentando ser informal, mas que para mim não funcionou - e sem críticas ao tradutor, porque vou lá eu saber o que ele pretendeu fazer ao ver os originais!), com a maneira meio cinematográfica-hollywoodiana da história começar... Veio a impressão de que, apesar de "A menina..." - que efetivamente virou um grande best-seller, mas não me pareceu escrito com essa principal intenção -, na verdade Zusak sonhava mesmo em ser (usando um termo hispanohablante) best-sellerista. 

Mas a leitura, mesmo com algumas técnicas de best-seller (o início, a tradução, os capítulos curtos, o acabamento da edição) não era típica de best-seller. A ótima narração de Zusak vai nos carregando adiante não pela expectativa, mas pela fluência, pela naturalidade e, em alguns momentos, por nos atiçar na emoção. E de maneira até banal, comum.

Pois é, comum. Ora, e o que temos de comum??? Somos todos comuns - ou não; se não, então somos comuns, pois tão parecidos por sermos incomuns.


E “Eu sou o mensageiro” trata de um jovem comum. Um jovem ocidentalizado comum, filho de uma família trabalhadora comum, com uma vida comum. Daqueles que sentem uma frustração irrevelada com a própria vida, posto que tem que vivê-la no que tem de rotineira -  isso não é comum?? -, mas vez por outra pensa no que poderia ter sido ou, mais simplesmente, pensa no que não é - quer mais comum que isso?

Ed Kennedy até se compara com Bob Dylan, Salvador Dalí e Joana D´Arc na mesma idade que ele: que feitos espetaculares já tinham produzido aos 19 anos!! Ele, simplesmente um motorista de táxi que mentiu para a idade para começar a trabalhar, ganhando o suficiente pra tocar aquela rotina lá, seguir seu cotidiano, bater seu carteado inofensivo com os amigos que, bem... Amigos, dois pra serem por ele criticados e uma que ele não "amigava", mas sim, amava.

Acontece que a história trata do que Ed Kennedy foi posto para fazer. E, mesmo tão comum, tão simples, tendo por recompensas o abraço de uma criança, meia-dúzia de sorrisos, calorosos apertos de mãos e alguns olhares, os feitos de Ed Kennedy nada perdem para os de Mr. Zimmerman, Dalí e Joana D´Arc. A prova de que, como disse Maiakóvsky ("Confusão de poesia e luz, / chamas por toda a parte. / Se o sol se cansa / e a noite lenta / quer ir pra cama, /marmota sonolenta, / eu, de repente, / inflamo a minha flama / e o dia fulge novamente. / Brilhar para sempre, / brilhar como um farol, / brilhar com brilho eterno") gente é pra brilhar. Acontece que às vezes os mais ofuscantes brilhos não são públicos nem para exibição; são apenas para conhecer e se autoconhecer. Humanamente, só enxerga - sem se ofuscar! - o brilho quem quer com humanos olhos observar.

Assim como já acontecera com “A menina...”, a vontade ao final da leitura (bom final, mas que particularmente me frustrou, assim como me frustrou “Desconstruindo Harry”, filme de Woody Allen, mas isso pouquíssimos entenderão, se alguém entender...) foi a de levantar e bater palmas, de olhos marejados.

27/08/2012

Mais coisa velha...

Líquido Cardíaco

Dor do meio
dessangra
machuca
torna vazio
insípido
inconsciente
verdadeiro precipício
a queda
o fim
vida
despedida
sem sim, senão
só, não.

21/08/2012

Não é verdade, é hipótese; não é metafísico, é puramente material...


Caos sem caos


Se o Universo é regido por rigorosas leis matemáticas, inclusive nos seus constantes movimentos de contração e expansão, então as rotinas repetem-se ad infinitum, pois a exatidão das variantes levariam à precisa repetição: simetria divina (???)
Em outras palavras, o que você vive agora pode já ter vivido milhões de vezes, e ainda viverá outras incontáveis. Portanto, eu vou escrever e você vai ler isto aqui infinitas vezes.

09/08/2012

Ainda ouço...

... a água correndo. É um fiozinho mínimo, estreitando... Deve ser mania, minha, esperança, a minha... Mas ouço... Ouço mesmo!!

O fio d´água
qual caos:
contração, expansão, 
volume e escassez, 
volume ou escassez?

Condição pelo livre-arbítrio,
entre volume ou escassez.
Mas fica pleno o risco
de arbitrar na costumeira escassez.

Em conta-gotas,
não há gotas que bastem.
Por isso, portanto, "ergo", 
da intermitência à perenidade,
perene escassez, paraíso para
a proliferação da ignorância.

Vocês e eu,
nós e aqueles,
àqueles não há porquê
pois resta manter,
qual caos,
o fio d´água.

25/07/2012

PELO DIA

Como hoje foi o dia do escritor, repito aqui uma postagem de texto antigo, no qual a rigor revela-se a frustração por não ter conseguido efetivamente me tornar um - faltou e falta capacidade, mesmo, apesar de todos os experimentos...


Quando elas não valem nada

Palavra por palavra
a minha não vale nada.

Palavras são meros instantes,
não podem ser nada além
de fruição momentânea quando não
repercutem em atos
nem em fatos.

Palavra tantas vezes é receio,
receio de viver. Vida 
na complexidade dos atos,
mas atos nem sempre são
repercussão de palavras.

Porque palavras se vão com o vento,
com a brisa espessa que assusta o amor.
Diluem-se no líquido sagrado da suposta alma,
num banho de lágrimas...

Tudo quase para sempre assim será
e o que ainda não pode ser dedica-se
a ludibriar o passo tranqüilo de quem
um dia imaginou-se simples mortal.

Mas mortal é aquele que vive. E 
viver é a complexidade dos atos - ou fatos -,
não das palavras. Palavras traduzem existir.
E, se por falsas,
se por retratistas imediatas,
palavras não são vida; de simples mortal,
torno-me característica passiva da existência.

Existindo
para poder, com ou sem palavras, 
um dia aprender a viver.

14/07/2012

ENQUANTO ISSO, NUM DISTANTE MÊS DE JULHO, 20 ANOS ATRÁS...

O Mesmo Lugar

As crianças sangram
carregando as pedras da pirâmide;
elas não podem se cansar, 
é uma poção de suor e sangue.

Falta o catalisador da lágrima - 
mas elas não podem chorar,
elas não devem gritar, 
valem seus suspiros e olhos fechados.

Nunca ouviram falar em liberdade
pois,
se ouvissem,
as convenceriam que são livres
tanto quanto peixes num aquário.

Os dias surgiam
cada noite caía,
como rochas em telhas de vidro.
Silêncio absoluto, sem gemidos,
sem murmúrios.

Estão cegas, mudas, surdas,
mas sabem tão bem o que acontece,
embora não façam ideia do que acontecerá
na velha sempre nova aurora.

E o mundo as conhece bem
ainda que finja não vê-las!,
porque nada pode ser maior
que a piedade de si mesmo.

17/06/2012

Mais uma que já completou a maioridade...

BLECAUTE

De olhos fechados
meço meus passos
tendo o caminho na mente
e o passado aos pés.

Sirvo-me do tato
e sei o que toco.
Sigo sem medo e
não vou esquecer o caminho.
Sei que é difícil sozinho,
mas não há mais como errar.

Sei que não sei que
não enxergo por onde vou.
Mas basta-me ainda a coerência,
Para reconhecer o destino único.

01/06/2012

DIA E NOITE

Tentando segurar areia
com as mãos, ou
semeando no arenito,
tranço 
as mãos
às costas
enquanto o tão próximo horizonte
mergulha em bruma...

A razão das queixas
jaz perdida, pois
um dia o lume brilhou
e desanuveceu a dúvida:
só se discute a forma
quando houver uma certeira
busca de conteúdo.

Perdidas as duas,
resta insistir com as mãos atadas,
o nó na garganta, 
o marear dos olhos.
Até que uma epifania coletiva
possa rasgar um espontâneo sorriso.

31/05/2012

Em consequência dos dias de hoje...

Indiscutivelmente há um tom cético ou desencantado no que escorre pelas linhas. Mas é o que depreendo do que vejo todos os dias (e noites), infelizmente... 

Viver
entre dois extremos
não define a verdade dialética
apenas impõe
o trânsito visceralmente sentido
a real capacidade de se adaptar -
em poucos minutos -
do dito inferno sabidamente construído
às penas da aparente falsa calmaria limbacenta.

Mais cruel é a pérfida, dura constatação
que quaisquer ambos os lados
caminham ao mesmo:
um ponto cegueiro e sem volta
da falta de consciência
da indiferença
mudez que não faz contestar.
da surdez para...
Aceitar!

25/05/2012

Consolidando (ou não??) divagações...

Cada passo em falso
é um risco fácil
de cair novamente
onde nunca se saiu.
Como cachorro atrás do rabo -
tautologia
e sofismos -, acendemos
a pira sagrada,
para onde ascendemos
à tão decantada
ignorância suavizada.

Mas perdemos a vez...
Seja ao abrir do primeiro livro,
estrear no erguer da mão,
desnaturalizar um pensamento,
barrar o senso comum:  com
qualquer disso,
perdemos a vez...

Perdemos a chance,
só para saber que,
na verdade,
não a queríamos.
E, na realidade,
apenas sonhamos com um retorno,
comprovando
o quanto somos infelizes -
e minimamente sensatos!

18/05/2012

Apenas para não deixar esfriar...

Reflexões

Diluindo, diluindo,
destilando meu desespero.

Acordo com os mesmos
reflexos no rosto,
luz da chama fraca e
dos medos que movem o moinho,
dos ventos que giram o destino e
dos dias que não acabam mais.

Derivados, derivados,
dependendo dos meus fracassos.

Repouso sem as cotidianas
marcas nas mãos,
tremor do frio intenso e
das certezas que paralisam o motor,
da calmaria que reproduz o dia-a-dia e
das noites que se encurtam mais.

Passo, passam,
vão, vou,
quem pára para pensar?
Ninguém quer ver
o que só os cegos não vêem
(será o pior cego aquele que não quer ver?)

Passei, passado,
cheguei, chegado,
não paro pra pensar e
não quero ver
o que os cegos não vêem
(serei o pior dos cegos?)

Claro ou escuro,
já não há mais diferença
quando a cegueira é espontânea,
reflexo de nossa omissão.

Reflexo do (no) meu rosto
todas as noites e manhãs.

10/04/2012

Diminuindo o débito: nova resenha - Saramago e as "Pequenas Memórias"

Estou devendo 3 (quase 4...), sendo 2 releituras. A mais recente é obra recém-lida, começo por ela.

Dizia eu, há pouco menos de dois anos, que José Saramago era o maior escritor vivo da língua portuguesa. Por termos perdido o autor, evidente que não posso mais dizer isso. E fico sinceramente em dúvidas para elevá-lo à condição de maior escritor da língua portuguesa (a despeito de outros "figurões" incontestes - que eu contesto) por conta das suas últimas obras que li, que me soaram como obrigação, como cumprimento de contrato, enfim. "Ensaio sobre a Lucidez" (cuja história dava sequência à história do magistral "Ensaio Sobre a Cegueira") e as "Intermitências da Morte" permitiram-me ainda ver o lume do mágico escritor e também, evidentemente, seu particular estilo; mas ambas me soaram como repetições dos temas e fórmulas narrativas que o consagraram - frustrantes, portanto, em virtude da expectativa que se tem ao ler um Saramago. Assim, desinteressei-me por seus últimos lançamentos, embora reste-me ainda o antigo (1953) e até pouco inédito livro "Clarabóia" (que não deve mais levar acento, mas eu teimo em mantê-los) para ponderar.
Por isso, foi grande a satisfação com a leitura de "Pequenas Memórias". É de suas últimas publicações,  de 2006, e não se trata de um romance. Tampouco podemos considerá-la uma autobiografia, mas sim "pequenas memórias", como ele mesmo as trata, de sua tenra infância e início de adolescência (palavra, aliás, ausente da obra). Delicioso livro que nos revela uma parte da construção de Saramago (desde o próprio sobrenome, inclusive), parte das vivências que o tornaram quem foi e parte do que o permitiu escrever suas fantásticas obras. No livro, não só lemos passagens da vida do autor como também percebemos várias das suas características de escritor: os longos parágrafos, a inserção particular dos seus diálogos, neste não exclusivo caso um absoluto desrespeito à cronologia, e, como não raramente em outras obras, passagens que corrigem trechos anteriores com as devidas escusas e as explicações dos equívocos (e imagino que "ai" do editor que não quisesse manter o texto integral!) Mas interessantíssimo mesmo é poder, com tal leitura,  perceber um ser humano tão comum por trás de um monumento da literatura, a admissão de erros, de impropriedades e de atitudes nada nobres admitidas por um senhor já com 80 anos que se mostrou, não bastasse tudo, dotado de uma memória prodigiosa. E tão curioso poder notar, como não é raro para qualquer um de nós, singelas e mínimas semelhanças no modo de pensar e agir - o que nos faz instantânea e  momentaneamente sentir um ridículo orgulho.
Deu saudades... Saudades de ler as grandes obras de Saramago e profundo interesse de ler o que ainda não li, desde seus diários até os romances que ainda não tive em mãos.

Para lembrar de Saramago, para combater as saudades, revejo e insiro aqui a adorável animação de sua única obra admitidamente infantil, "A Maior Flor do Mundo", com narração dele próprio.


(especiais agradecimentos ao amigo Eduardo Januzzi, que me emprestou o livro, e também para minha sobrinha, Marina Prado, que me presenteou com o endereço deste vídeo já faz algum tempo).

25/03/2012

Mais uma resenha: O Caderno de Sinclair - Releitura

Conhecido por obras indiscutíveis como Demian, Sidarta, O Lobo da Estepe, além de ter escrito tantas outras, Hermann Hesse só ganhou grande reconhecimento após o final da Segunda Guerra Mundial. Isso porque, crítico do militarismo e da guerra em si, o auge da sua maturidade como autor veio justamente com a dor da derrota alemã na Primeira Guerra, seguida da ascensão nazista. Com a nova derrota alemã e a queda do nazismo, sua obra, baseada em boa medida na náusea da guerra (aparentemente oriunda do louvor patriótico da Guerra Franco-Prussiana cuja vitória patriótica lhe empurraram, ainda fresca, goela abaixo na escola, mas também e principalmente pela vivência da Primeira Guerra), serviu como bastião à uma Alemanha horrorizada com os próprios crimes. A impressão que se tem é que, para apagar ou borrar o absurdo nazista, o Prêmio Goethe concedido ao autor já em 1946 serviu para mostrar que os alemães queriam um futuro e uma imagem diferente.
Mas indiferente do reconhecimento, Hesse sempre imprimiu uma linha filosófica distinta, quase própria, temperada pela educação familiar religiosa, por este horror ao militarismo, do ceticismo em relação à política e aos homens e pelo amor à arte de escrever - do romance aos poemas, passando pelos ensaios e crônicas.
Não apreciei a obra da primeira vez que a li, faz já por volta de duas décadas. Creio que não a compreendi muito bem e por isso tive a leitura atravancada, arrastada, levada até o fim como tarefa, como missão do leitor assíduo, desregrado e confuso que sempre fui. Então, decidi relê-la, mas me surpreendi negativamente com a inocência, a imaturidade e o grotesco dos ensaios escolhidos para compor a obra O Caderno de Sinclair, publicado mo início da década de 20, escritos sob o pseudônimo de Emil Sinclair em periódicos da imprensa alemã do final da década 1910-1920. Mistura de uma certa misantropia misticista com conclusões adolescentes, os ensaios me soaram como aqueles textos que os aspirantes à literatura escrevem no início da adolescência e que guardam com estima e carinho e, anos depois, adulto feito, vida corrida e experimentada, ruborizam-se só de imaginar que algum outro possa ler. Ainda mais deprimente, na edição lida (aparentemente a 1ª Edição da Editora Record, 1984), é ler o prefácio do autor, do ano de 1962 - quando teria mais de 80 anos.
Incluiu em seus ensaios um extremo pessimismo com o futuro alemão e europeu, sua visão própria - e absurda e exageradamente imatura - das virtudes e vícios humanos, sua ânsia pelo isolamento... Vê-se, também, o seu extremo antimilitarismo e seu amor pela arte escrita, mas o tratamento dado aos seus textos, nessa obra, beiram a infantilidade.
Aos fãs, pelo apego;  aos demais, por curiosidade, lendo entre suspiros de impaciência e gestos de negação.

16/03/2012

Por que é difícil defender as paralisações da educação da ocasião

São três as razões principais; tentarei abordá-las por abrangência.
Primeiro, mais uma vez constrói-se um movimento reivindicatório no setor público, na educação pública, que paralisa os serviços e prejudica a população. Algo que até teria sentido, caso servisse para pressionar a administração pública, inclusive pela insatisfação da população com a paralisação (14) ou greve (14-15-16). Entretanto, como de chofre em outras incontáveis ocasiões, não houve a preocupação, por parte do comando dos movimentos, em construir o movimento junto a população. As manifestações foram marcadas com relativa antecedência, fazendo com que fosse possível a CNTE, junto aos diferentes sindicatos, conduzir uma campanha de esclarecimento junto à população; sem isso, continuam os educadores e seus sindicatos reféns do tratamento da grande mídia. Resultado: todos os prejuízos, traduzidos na insatisfação da população (seja aquela que teve dificuldades com as escolas fechadas quanto aquela que se sentiu prejudicada pela movimentação, pelas vias bloqueadas, etc)  volta-se contra os professores, não contra a administração que, do seu lado, dá de ombros para o movimento uma vez que, na lógica em que se pensam os efeitos da utilidade de uma paralisação/greve, pouco prejuízo lhe causou. Nas entradas e nas saídas, nas reuniões de pais e de Conselho de Escola, no contato diário com pais, mães e responsáveis e – principalmente - com material unificado que poderia ser providenciado por cada sindicato envolvido, certamente aumentaria o número daqueles que apoiariam o movimento, que entenderiam suas razões, que defenderiam os professores,  ainda que claramente não no patamar da maioria, mas certamente num número muito maior do que se todos apenas acompanharem o movimento a partir da grande imprensa. Ponderando, então, qual é a principal razão da convocatória para 14-15-16 de março - o pagamento do piso nacional em todas as redes, o que significa meramente o cumprimento da lei!!! - não seria difícil convencer a população da legitimidade do movimento.
Uma paralisação dessa não é que nem no setor privado, que pára a produção e causa prejuízo ao patrão. Será tão difícil assim enxergar a diferença? Claro que não... Por que será que se insiste com a mesma estratégia, então?

Isso me leva ao segundo ponto, passando também para um círculo menor, que conheço comparativamente muito melhor do que a situação no país todo, que é a dos educadores da rede pública do município de São Paulo. Realizaram paralisação e ato no dia 14, sob coordenação do SINPEEM, um sindicato presidido por um senhor que tem claras relações, pelo menos políticas, com a administração municipal. Cansativo repetir algumas coisas, pois bastaria eu remeter eventuais leitores a postagem do ano passado http://soexperimentos.blogspot.com/2011/05/o-sindicato-que-tem-um-dono.html, mas enfim...
Aceitando, concordando e participando do ato, profissionais da rede paulistana fazem persistir o ciclo vicioso  no qual nos arrastamos nos últimos anos. Quem parar para refletir verá que os atos e manifestações do SINPEEM, há nove, dez anos atrás, eram muito mais numerosos tanto em ocasião quanto na presença de educadores. Mesmo assim, pouco conseguíamos, principalmente em virtude da leniência e paralisia do sindicato, que sempre teve como prioridade a situação política do seu presidente, e não as reais necessidades da categoria; assim sendo, na tensão de ocasião entre o presidente e a prefeita do momento, nenhum resultado prático obtivemos. Será que todos já se esqueceram da promessa dos 0,01 % de reajuste na data-base de 2004? Com ampla movimentação da categoria e uma série de paralisações semanais, conquistamos a "grande vitória" de elevar o reajuste para... 0,1%. Outra prova das prioridades do SINPEEM foi a realização da última greve da categoria, em 2006, segundo ano da administração Serra, quando após duas semanas de greve a categoria conseguiu outra “grande vitória” recebendo o direito de compensar os dias parados. E o sindicato ainda cantou vitória... Para quem não lembra, aí vai o resultado da greve pelo próprio sindicato : http://www.sinpeem.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=383. Cúmulo dos cúmulos, o presidente do SINPEEM, para se defender da pecha de governista, tem a coragem de afirmar que esta greve foi na administração Kassab (a greve iniciou-se em 28/03/2006, ainda antes de Serra deixar a administração para se candidatar ao governo paulista, o que ocorreu 3 dias depois).
As mudanças começaram justamente aí. Parece que o presidente do SINPEEM aproximou-se muito, politicamente falando, do secretário de educação; em 2007, após não se eleger deputado pelo PSB, troca de legenda e vai para o PPS (partido que já apoiava na Câmara dos Vereadores o prefeito Kassab) e, em 2008, elege-se novamente vereador e depois líder do partido na casa. À despeito de todo os arrotos de independência de tal partideco oportunista, eles são é governistas. Então, de lá para cá, as melhoras para a categoria são evidentes: novo estatuto;  fim dos professores adjuntos (o que foi e é criticado por alguns); fim da menor das jornadas de trabalho, permitindo que todos passassem a ganhar, no mínimo, um salário melhor da jornada intermediária, que passou a ser a menor; piso substancial se comparado ao piso nacional, primeiro mediante abonos, depois integrados ao salário; estabelecimento de um novo piso ainda maior com a manutenção dos abonos... Com tudo isso, educadores da cidade de São Paulo recuperaram não totalmente mas substancialmente as perdas da década e meia anterior. E graças, sim, ao sindicato! Mas, infelizmente, não pela atuação firme da Diretoria em consonância com sua base consciente, não pelas paralisações ou manifestações, mas sim graças aos interesse políticos e das relações do presidente do SINPEEM  com a administração pública, situação conveniente para alguém com indiscutível habilidade política! Essa realidade, como dito na postagem após as eleições para a diretoria no ano passado, levou o SINPEEM a deixar de ser o representante dos trabalhadores junto à administração para se tornar representante da administração junto aos trabalhadores. O SINPEEM, que é um dos maiores sindicatos do país, está à serviço dos interesses políticos de seu presidente e de seu grupo. Habilidoso, ele manipula decisões, ironiza adversários e louva a democracia que discute, discute, discute (com suas pérfidas intervenções) mas chega no resultado que ele quer, até porque só ele sabe qual ajuste já foi feito com o outro lado. Então, nossas "conquistas" são possíveis graças a atuação político-partidária legislativa do presidente do SINPEEM, quando as necessidades da categoria servem ao uso político dessa pessoa. É um ciclo vicioso com o qual os educadores de São Paulo deveriam romper!! Mas não... Aparentemente, esse ciclo será interrompido apenas quando a atual situação do governo paulistano perder uma eleição. Não vê ou não aceita isso quem não quer... Ou então quem sonha em fazer uso político e pessoal do sindicato tal como seu atual presidente, com as mesmas táticas do seu atual presidente - ainda que para outros objetivos!!!
Não convence o discurso de quem aceita o fato das "conquistas" se darem pela relação entre SINPEEM e administração mas reafirma que elas não ocorreriam sem as paralisações; porque as paralisações poderiam, sim, ocorrer, a partir da movimentação da base. Ou vão dizer os nosso grandiosos e heróicos militantes político-partidários envolvidos no sindicato (os abnegados que se consideram detentores da exclusividade da coragem para lutar e da inteligência para atuar, aqueles que consideram inimigos todos aqueles que não integram suas raivosas fileiras) que eles não conseguem movimentar um razoável setor da categoria para manifestações ou paralisações independente da Diretoria majoritária?  Ou será que é medo do rompimento, que é conveniente para algumas lideranças, mesmo as que se dizem mais radicalmente opositoras a atual direção do SINPEEM, abrigar-se no guarda-chuva da legitimidade porca e nojentamente imiscuída com a administração?

Então, chego ao terceiro ponto. O atual presidente do sindicato historicamente sempre reagiu negativamente a qualquer proposta que não saia dele mesmo ou de seu grupo político; mais de uma vez foi capaz de sugerir datas de encontros, assembleias atos e paralisações para um dia antes ou um dia depois da sugerida pela ala opositora do sindicato ou da direção, em gestos que simplesmente servem para reafirmar seu poder de monarca absoluto dentro do SINPEEM. Desligar microfones, ironizar adversários, colocar toda uma plateia contra quem o contesta... Então, de repente, misteriosamente, em ano de eleição, sem "conquistas" possíveis, ele sequer contesta as sugestões dos opositores. Endossa-as e até as defende!
Acontece que, de antemão, deve ter previsto como agir para manter o crédito de "presidente do sindicato" e não afetar seu curral eleitoral em que se tornou o SINPEEM, ao mesmo tempo que sabe impossível conquistar as reivindicações mais substanciais deste ano, como a antecipação do reajuste e alteração da lei salarial; deve saber ele, de antemão - aí é apenas meu palpite - que é possível negociar a reclassificação dos profissionais para cima no piso, o que vem sendo discutido já desde o ano passado, e a utilização dos títulos para evolução - outra discussão que já vem dando "pano pra manga" há alguns meses. Sairá, para a base da categoria, como o presidente que conduziu a luta, e para a administração, como o aliado que manteve o movimento no patamar adequado para não causar danos à imagem de secretário e prefeito, granjeando a manutenção tranquila do apoio à sua própria reeleição como vereador. Em suma, este ano, além do uso político costumeiro, o SINPEEM vira massa de manobra como fins eleitoreiros.
A dúvida que fica, entretanto, é se o interesse eleitoral, neste ano, é apenas do presidente do SINPEEM...

13/03/2012

De amor e de sombras...

Leitura nova de obra nem tão nova (publicada 1984).

Isabel Allende é filha de um primo-irmão de Salvador Allende (portanto, ela e "o" Allende eram primos). Peruana de nascimento, em virtude da atividade do pai (corpo diplomático), mas chilena de coração. 
Uma ditadura, um regime autoritário, é ruim para praticamente todos - exceto para os "amigos do rei" -, mas imagino o quanto deve ser mais cruel para alguém que, tendo por volta de 30 anos de idade, como ela, vê seu país amado mergulhar na espessa treva da ditadura militar, ainda mais com uma visão consciente de mundo - a despeito de concordarmos ou não qual seja essa visão. Essa era a situação de Isabel no seu Chile, quando viu o primo resistir à sanha militarista que o levou ao suicídio, ao claramente fracassar a defesa da legitimidade e legalidade do seu governo.
Costuma-se dizer que a ditadura chilena foi a mais cruel das ditaduras da América do Sul; incomoda-me a questão, por dois motivos: primeiro, porque o regime chileno não se preocupou em esconder a ditadura sob uma ilusão de legalidade, então matou sem dar satisfação e elevando o número oficial de vítimas na casa da dezena de milhares (40.0000). Já no Brasil, que viveu uma ditadura na qual ilusoriamente havia a "eleição" de presidentes, reconhece-se a morte de apenas 500 pessoas - o que chega a ser ridículo. Milhares de desaparecidos, mar agitado por cadáveres despejados de helicóptero e o aparecimento de crânios, esqueletos e quetais parecem sequer envergonhar quem reafirma esse número infame. Mas, mesmo que 5 centenas fosse a absoluta verdade, mais infame ainda ver que muitas pessoas tratam essa diferença nos números como subterfúgio para dizer que a ditadura no Brasil foi "suave" ou, melhor, nas palavras de um odioso dito jornalista (bancário é quem trabalha em banco, banqueiro é dono; jornalista é quem noticia num jornal; e dono de jornal, o que é?), "branda".
Entretanto, nada tem a ver com isso Isabel Allende. Então, corajosamente, dez anos depois do golpe, ela publica "De amor e de sombras" (De amor y de sombra), simples e tocante livro que aborda toda a incompreensão, ignorância e crueldade daqueles que integraram e compuseram defesa com a ditadura militar do seu país; aborda a ignorância e desumanidade que, em sua ficção tão próxima do real, levou ao assassinato de uma adolescente que convulsionava diariamente e a quem se atribuía pequenos milagres; aborda a ilusão de quem vivia placidamente dentro dos muros do castelo do aburguesamento, crendo na existência calma, pacífica, profícua e feliz de um país verdadeiramente miserável e cruel; aborda a dor e a dificuldade, a insistência e o coração límpido de quem, com suas inócuas ferramentas, continuava erguido e lutando contra um regime de exceção; aborda como a paixão é capaz de nos arrastar à verdade, por mais cruel e indesejável que ela seja, e aborda também como o contato com a realidade nos transforma; aborda a indiferença dos líderes do regime, que viam a verdade consequente da desumanidade de seus atos escancarar-se para o mundo enquanto davam de ombros e continuavam torcendo os pescoços que lhes desagradavam.
Como não podia ser diferente à altura em que o livro foi escrito, a obra termina com o risco de morte, a fuga e o abandono da pátria das duas personagens que desnudaram uma única singela verdade do regime; mas ambos com um sopro de esperança, com aquela chamada de ar ao pulmão que ergue a fronte e faz os olhos brilhar na esperança de um dia voltar para uma pátria melhor.

Ótima leitura para quem suporta os pequenos nós na garganta.

10/03/2012

De novo na trilha do passado...

Por volta de 20 anos. Foi um período curioso...


Marcando passo numa escola que não podia fazer nada por mim além de formalizar o diploma; discutindo com professores a eleição presidencial do fim do ano; alçado ao status  de fenômeno, quando era na verdade, pelo comportamento único que podia manter, um simples corpo estranho naquela massa; período em que briguei com e por outros, durante a insensata insaturação do Grêmio Estudantil na EEPSG "João Ramalho" (episódio que definiu a impossibilidade de me fazer um militante institucionalizado). Tudo fez eu pensar mais em buscar o que faltava para ajudar calar a boca de alguns imbecis. Estranhamente, de lá para hoje, além de não se calarem, eles só se multiplicaram. 

Depois da releitura anual da obra de cabeceira, tudo se misturou no que vai aí abaixo...

EXTRA-OFICIAL

Mais uma "revolução" termina
mais vidas perdidas por nada.
As ideias se fundem,
embora digam que elas não são metais!

Líderes morrem - e ficam
suas frases por vezes de pouco sentido
soam em bocas pedantes
como o preço da devoção
cobrado com total entrega -
e sorrisos.

Morrem presidentes inertes,
de quem o povo recordará como
pais - deuses - padrinhos...
Dois mil anos em cinco!!
(Eu só posso gargalhar).

Mas um dia tudo acaba,
é quando conhecerem o extra-oficial
a história à margem da História
menos coada,
menos censurada, 
menos trabalhada, 
com um pouco de verdade
comparada a História Oficial.

02/03/2012

Acelerado...

Esqueça o porvir
levante a mão
faça a pergunta sem resposta
repita mais um dia perdido
durma pouco
sonhe muito - porque
não realiza -
viva em partes
espere sempre
adormeça de cansaço
desperte pela urgência
ingerindo o que tiver
regurgitando o que não puder
correndo para alcançar
parando para esperar
devolvendo para não perder
usando para não perecer
respire
pare
pense
desista e trabalhe
troque um afago
abafe um sorriso
seque essa lágrima
lave essa cara
perca esse peso -
parece pele e osso -
apare o cabelo
desfaça a trança
limpe a cara
ponha o nariz de palhaço
abandone o picadeiro
contrate uma ajuda
negue o socorro
cuspa no chão
beba outro gole
ludibrie outro colega
amacie o bife
doure a pílula
ignore a verdade
canse
recupere as forças
recomece
mude,
não siga este conselho...
E descanse em paz.

29/02/2012

RETRATO DO COTIDIANO, RETRATO DOS DIAS ATUAIS

Corro o risco de tornar repetitivo pelo tema. Fazer o quê, provocação dos dias - ou noites - que tenho vivido este ano...

Toda alvorada renovada
reabre, com ou sem sorriso,
a mesma estrada marcada
pelo tom que vem do improviso.

Impávidas e fúteis certezas
das vidas inúteis em correntezas
de lágrimas doces,
de lástimas dóceis
no despudor da ignorância
contra a dor...
Tanta dor,
tantas dores despropositadas
por causas sem sentido,
pelos valores distorcidos
no qual minha imiscuidade
é força do labor,
obrigação,
sensação de responsabilidade
sobre a flor que, é certo,
não desabrochará no deserto.

Para quem perdeu a capacidade de deixar pra lá...

A verdade e o horror - o horror e a verdade.

Meados do ano  passado, iniciei a leitura do livro “Um escritor na guerra: Vasily Grossman com o Exército Vermelho (1941-1945)", uma coletânea de artigos e cartas pessoais do correspondente do jornal Krasnaya Zvezda (o “Estrela Vermelha”, até hoje existente, então jornal do Exército Vermelho), entremeadas de rápidas descrições e pontuações pelos organizadores das circunstâncias nas quais o autor, que viveu praticamente todo o período de envolvimento da URSS na Segunda Guerra, escrevia seus textos. Ao final da leitura, a obra apontou-me três focos de análise e uma amarga recordação – que toquei adiante.
Das análises, a primeira é sobre a atuação do Exército Vermelho. Ficou reforçada a tese do seu evidente despreparo para enfrentar a invasão alemã e impedir o avanço nazista até os portais do poder stalinista. Mas posteriormente, entretanto, e também sustentando teses preexistentes, a obra evidencia o papel climático na recuperação dos soviéticos na guerra, além da incontestável superioridade numérica que de certa forma superou o abissal predomínio tecnológico alemão, a importância do enorme esforço para a produção de guerra do gigantesco poder estatal soviético (auxiliada pelos leasings estadunidenses),  e da bravura de muitos soldados e oficiais das diferentes nacionalidades soviéticas, na maioria dos casos amplificada pela devoção ao regime e ao seu líder – em boa medida, conseqüência do pérfido culto à personalidade instaurado pelo regime  -, fatores que levaram o Exército Vermelho a avançar milhares de quilômetros, dos limites de Moscou até o centro de Berlim.
A outra análise é a da participação do povo soviético na resistência, na luta. Curiosamente, parece que quanto mais distante geograficamente do poder, maior parecia a proporção da população descontente com o stalinismo, contra a coletivização imposta, quanto às dificuldades de abastecimento, quanto ao autoritarismo intolerante contra os considerados inimigos do regime. Assim, em diferentes trechos, o autor constata a colaboração da população com os alemães – enorme na Ucrânia, presente em Belarus, percebidas em suas tímidas e quase envergonhadas constatações, demonstrou que na maior parte do tempo Grossman também manifestou grande fidelidade e confiança nos rumos do “socialismo real” stalinista e no estranho patriotismo “internacionalizado”, produtor de contraditórias  reações e de conclusões dicotômicas dos partidários e simpatizantes do regime.
Por fim, vem a análise dos crimes nazistas contra os judeus. Grossman, assim como tantos outros dos seus espalhados por toda a Europa, pouco tinham com o judaísmo senão a origem; entretanto, ao conhecer a perseguição desumana e sistemática contra seu povo, aos poucos levou-o, assim como outros tantos judeus antes indiferentes, a sentir em si um agudo apego à origem, à defesa do seu povo. Conforme avançava o Exército Vermelho, Grossman ia notando maior a proporção do extermínio; ao mesmo tempo, enquanto vivia e relatava aquilo, parecia incapaz de perceber que o regime stalinista jamais reconheceria os judeus como vítimas maiores e à parte, minimizando a situação deste povo como se todos fossem meras vítimas individuais da guerra - se não uma manifestação anti-semita, certamente uma tentativa de ignorar a questão para vitimizar por igual os “internacionais” soviéticos.
Então Grossman chega à Treblinka, e com o que pouco viu e muito ouviu dos raríssimos sobreviventes, escreveu o relato “O inferno chamado Treblinka”, lido no Tribunal de Nuremberg. Acabou  me fazendo voltar para lá...
Li pela primeira vez o livro “Treblinka” (Jean-François Steiner), certamente há mais de vinte anos, entre meus 15 e 17 de idade. A impressão que a obra me causou foi funda, inesquecível, mas neste caso por dolorosa e amarga. Assim como ocorreu com algumas outras obras em minha vida, da literatura ao cinema, enterrei "Treblinka" num recanto isolado da minha memória, sabendo que jamais esqueceria que o li, mas, entretanto, buscando uma alternativa para não ter que suportar repetir a experiência daquela dor. Quando Grossman, em um longo artigo, descreve o pouco que viu e o muito que ouviu a respeito do campo de extermínio de Treblinka, acabei tomando a obra para relê-la, na esperança que uma maior maturidade pudesse manter sob controle aquelas cicatrizes invisíveis da primeira leitura.
Eu estava enganado.
Tentei me preparar obtendo algumas informações sobre  obra e o autor antes de iniciar a releitura. Encontrei um sem-número de críticas à obra, com o tratamento mais suave de chamá-la de "romance". Curiosamente, entretanto, 9 em cada 10 fontes de tais críticas são, no mínimo, excessivamente tolerantes com o  que elas mesmo chamam de "nacional-socialismo" (e não NAZISMO, estranhamente)... Esperado o fato, uma vez que tantos ainda negam o Holocausto judeu no passo de suas pérfidas e cruéis convicções ideológicas.
Evidente que o livro deve ter um pouco de fantasia ou imaginação; Steiner, assim como Grossman, colheu informações sobre o funcionamento do campo com poucos dos já raríssimos sobreviventes do campo, e anos depois. Embora não seja razão para elogios ou admiração, é de se considerar inevitável que as lacunas de determinados fatos possam ter sido preenchidos por uma inspirada verve ficcional do autor. Mas, por maior que tenha sido a proporção desta tentação no autor, em nada diminui  a náusea e o pasmo horrorizado do que o livro busca retratar...
Então, tomei em mãos a obra, na minha edição rota e remendada com mais de 30 anos, comprada por minha mãe.
Mesmo sabendo que releria fatos terríveis em termos gerais, percebi que no passo do meu avanço na leitura, minha memória ia recuperando parcialmente e por antecipação os fatos, gerando angústia, raiva, dor e, principalmente, vergonha; depois, relendo os fatos relembrados, gravaram-se  mais fundas as sensações negativas da(s) tamanha(s) monstruosidade(s) que o livro registra.
Tenho certeza de que muitos dos poucos que passarão pelo que agora escrevo já leram, viram e ouviram histórias e registros a respeito de diferentes campos de concentração, trabalho e extermínio nazistas. Especialmente o cinema, com seu apelo imagético, provavelmente levou às lágrimas ou à beira delas tantos de nós. Mas o impacto de “Treblinka” é terrivelmente pior... Porque o campo de Treblinka foi, sem dúvidas, o retrato maior da crueldade nazista. Era unicamente um campo de extermínio, ao contrário de Auschwitz, que era um campo de trabalho e extermínio. Lá registrou-se o espírito da eficiência perfeccionista que pontuou, nos mais mínimos detalhes, o propósito do extermínio anti-semita de Hitler.
O campo durou pouco mais de um ano, período no qual poucas dezenas de Schutzstaffels, com pouco mais de uma centena de guardas ucranianos, procuraram aperfeiçoar constantemente, primeiro, a máquina de extermínio e, depois - numa crueldade talvez ainda maior - eficientes maneiras de apagar da História a existência dos exterminados.  
Em seu pleno funcionamento, a máquina era capaz de matar milhares por hora –  em geral, só matava pela manhã. Assim, neste curto intervalo de tempo, acredita-se que tenham sido exterminados no campo entre 750 mil e 900 mil judeus, a espantosa e esmagadora maior parte nas câmaras de gás e muitos com espancamentos e tiros na nuca. Além disso, outros tantos se suicidaram, incapazes de suportar não somente a tortura e as péssimas condições de vida nas quais eram mantidos os prisioneiros judeus que faziam o campo funcionar, mas principalmente por saber para quê trabalhavam.
Foram selecionados, primeiro, em táticas cruéis que escolhiam os mais aptos para um trabalho que nem a pior das escravidões ao longo do tempo jamais conseguiu reproduzir. Depois, conforme o campo foi se aperfeiçoando nas estratégia de extermínio, conforme a habilidade dos prisioneiros em determinados ofícios. Por conta disso, em Treblinka, incontáveis exemplos de irmãos que participaram do assassinato de irmãos; pais da morte filhos, e filhos nas dos seus pais. De maneira consciente, mas de mãos, almas e vontades atadas, cerradas, torturadas pelo simples e isento de críticas apego à vida. E essa era a sensação de muitos:  que diferença poderia fazer? Morrer instantaneamente ou esperar por mais alguns dias, sensação que em muitos casos dissipou-se nos indivíduos, conforme passava os dias ou conforme outras vidas através dos olhos e das mãos deles se esvaíam.
Dos guetos, vinham famílias inteiras espremidas em vagões, em geral de 150 a 200 pessoas, carregando suas roupas, dinheiros e pertences mais valiosos, todos crentes de que estavam sendo enviadas para campos de trabalho na Ucrânia. Chegavam numa pequena e simpática estação de trem onde eram recebidos por uma banda de música composta por judeus – prisioneiros. A pequena vila construída em volta das câmaras de gás de Treblinka servia não apenas para garantir o funcionamento do campo, mas também para convencer ou manter, até o último instante, a esperança dos recém chegados. Após o desembarque e a separação da bagagem maior, casais eram separados; depois, crianças, independente da idade, eram subitamente arrancadas das mães. Todos desfaziam-se do dinheiro e outros objetos de valor, depois as roupas do corpo e por fim dos cabelos, escrupulosamente raspados; daí, iam  diretas para a morte.  O que poderia esperar um pai ou uma mãe, às portas da câmara de gás, ao enfrentar tal experiência? Seria a morte suficiente?
Não para os nazistas, que ainda extraíam da boca dos cadáveres dentes de ouro, obturações e quetais. 
Em todo o percurso, do trem para a morte, os prisioneiros judeus é quem selecionavam as roupas, cortavam os cabelos, recolhiam os objetos de valor, extraíam os dentes, enterravam  os corpos – até que a cremação dos cadáveres começasse, com a finalidade de impossibilitar o registro do terror. Aí, então, bastaria matar até o último judeu!
Nomes, exemplos, histórias à parte nem cabem aqui. Estão na obra. É na leitura de algo assim que vem a dúvida, um parcial desejo da ignorância, a abençoada ignorância idiotizada que traz a felicidade. A ignorância com a qual muitos de nós não conseguimos nunca mais nos envolver. Até porque, mesmo ao peso de toda amargura e dor, da profunda vergonha de ser humano que a leitura de “Treblinka” excita, ainda resta na balança a funda necessidade de termos a verdade. Nem que sirva somente para não corrermos o risco de nos calarmos ao notar algo mesmo que semelhante à intolerância que provocou o Holocausto aconteça ou se repita.

25/02/2012

SUPOSTA MATURIDADE

Curioso na produção abaixo é o tema. Pelo caderno onde está o manuscrito, calculo que seja lá perto dos 19 anos de idade. Se já havia esta sensação por lá, é só imaginar agora, exatamente com o dobro da idade...

O adversário


O pó, a areia, as cinzas
escorrem sem cessão;
os ponteiros
continuam caminhando,
por vezes juntos,
ajustando separações.
Segundo a segundo
minuto por minuto
hora após hora...

Não creio que devo,
de qualquer forma,
impedir seus movimentos.
(Poderia?)
Mas também não os aceito,
e é isso que preocupa:
sua rapidez indetida e
minha insatisfação.

Preciso de espera,
suficiente para atingir o alvo,
o bastante para que possa
voltar a viver.

Sim, infelizmente...
Tornou-se um grave inimigo
adversário impaciente, fatalista,
determinista,
que jamais recorre a novos métodos
apenas luta contra a espera
e age sempre com a mesma crueldade.

Tudo vai acabando aos poucos:
eu,
quem comigo está,
o que tenho,
até o que me prometeram.
Não me dá o direito de apelar -
já que não existe por onde -,
por isso preciso de força,
para mostrar ao tempo
que nunca deixo de lutar
mesmo encarando a derrota inevitável
e o cansaço certo
a dor final da última decepção.

Ao mesmo tempo, grande adversário -
você, tempo, cruel e sádico -
não perde por esperar!
Em mim, a derrota inevitável um dia vencerá
pois em nenhum caso há surpresa
é o fato insofismável para todos,
então também para ti:
finda-se a submissão à espera.

23/02/2012

Essa é recente.

A produção, hoje, é fortuita, ocasional, escassa. Não tem o que escolher, é só reproduzir...

Confusa sensação de aridez!
Como se uma profícua usina
de imagens, expressões,
sons e visões
se esgotasse com a rapidez
que a relatividade determina.

Um singelo segundo, apenas,
cada vez mais meteórico e pungente
quanto mais parece que a mente
se entope de metafóricos esquemas.

Ao mesmo tempo, vem o desuso
que de inútil não permite o novo;
total prevalência do ócio, um abuso
que eleva a condição do parvo.

Fim neste meio que sodomiza o saber,
entorpece valores,
idolatra o falso prazer
descortinando este palco de horrores.

ADOLESCÊNCIA E SUAS FASES...

Estranho é o mundo dos adolescentes. Principalmente quando não se tem a conversa, o diálogo, o conselho... Seja pela empáfia, soberba de não querer ou a falta de com quem. 
Pois é, a sociedade contemporânea "inventou" o adolescente, estabeleceu uma longa transição da infância para a maturidade - sem fornecer todas as ferramentas de maturação. Obriga a molecada a tomar um rumo, mas mal se indica qual maneira conveniente, qual é a trilha: cada um depende dos seus, de quem o rodeia. E se tal grupo de pessoas não for dos mais bem-intencionados? Pouco perspicaz? Despreparado? Sim, tem outras alternativas - a própria escola -, mas aí é que está... A dinâmica social dos nossos dias impõe uma desvalorização evidente do que pra quê ela serve e de quem está lá fazendo ela funcionar.
Aí abaixo já é final de adolescência, a vida arrastando para um lado que não era ruim, mas também não era a escolha. Por que se é levado a isso? Problema grave, mas não procuro desculpas. No meu caso, tenho claro de quem foi a "culpa" no final. Nestes meus alfarrábios, vou tentando é recuperar quais eram os sentimentos no momento da escrita de cada uma das linhas, lembrando dos meus filhos, um já começando a viver essa fase... Aí abaixo tem uma vitamina de dúvidas+ansiedade.


DOR


Estou cansado de tantas decisões!!!
Estranho...
Nunca antes tomei uma decisão!
Então,
por que esta aflição?
Esta dor
indolor
que eu não sei o que é?

Vou em busca de poder,
um dia,
resolver minha vida vazia,
tão à toa,
"sofredora".

De mim não espero nada
e é por isso que prossegue a dor
incolor
sem imagem em mim
nem reflexo em ninguém.

Não digo o que sinto,
não porque não quero...
É porque receio descobrir
por causa da dor
indolor
e incolor
que não dói em nada
nem em mais ninguém.

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