De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

10/04/2012

Diminuindo o débito: nova resenha - Saramago e as "Pequenas Memórias"

Estou devendo 3 (quase 4...), sendo 2 releituras. A mais recente é obra recém-lida, começo por ela.

Dizia eu, há pouco menos de dois anos, que José Saramago era o maior escritor vivo da língua portuguesa. Por termos perdido o autor, evidente que não posso mais dizer isso. E fico sinceramente em dúvidas para elevá-lo à condição de maior escritor da língua portuguesa (a despeito de outros "figurões" incontestes - que eu contesto) por conta das suas últimas obras que li, que me soaram como obrigação, como cumprimento de contrato, enfim. "Ensaio sobre a Lucidez" (cuja história dava sequência à história do magistral "Ensaio Sobre a Cegueira") e as "Intermitências da Morte" permitiram-me ainda ver o lume do mágico escritor e também, evidentemente, seu particular estilo; mas ambas me soaram como repetições dos temas e fórmulas narrativas que o consagraram - frustrantes, portanto, em virtude da expectativa que se tem ao ler um Saramago. Assim, desinteressei-me por seus últimos lançamentos, embora reste-me ainda o antigo (1953) e até pouco inédito livro "Clarabóia" (que não deve mais levar acento, mas eu teimo em mantê-los) para ponderar.
Por isso, foi grande a satisfação com a leitura de "Pequenas Memórias". É de suas últimas publicações,  de 2006, e não se trata de um romance. Tampouco podemos considerá-la uma autobiografia, mas sim "pequenas memórias", como ele mesmo as trata, de sua tenra infância e início de adolescência (palavra, aliás, ausente da obra). Delicioso livro que nos revela uma parte da construção de Saramago (desde o próprio sobrenome, inclusive), parte das vivências que o tornaram quem foi e parte do que o permitiu escrever suas fantásticas obras. No livro, não só lemos passagens da vida do autor como também percebemos várias das suas características de escritor: os longos parágrafos, a inserção particular dos seus diálogos, neste não exclusivo caso um absoluto desrespeito à cronologia, e, como não raramente em outras obras, passagens que corrigem trechos anteriores com as devidas escusas e as explicações dos equívocos (e imagino que "ai" do editor que não quisesse manter o texto integral!) Mas interessantíssimo mesmo é poder, com tal leitura,  perceber um ser humano tão comum por trás de um monumento da literatura, a admissão de erros, de impropriedades e de atitudes nada nobres admitidas por um senhor já com 80 anos que se mostrou, não bastasse tudo, dotado de uma memória prodigiosa. E tão curioso poder notar, como não é raro para qualquer um de nós, singelas e mínimas semelhanças no modo de pensar e agir - o que nos faz instantânea e  momentaneamente sentir um ridículo orgulho.
Deu saudades... Saudades de ler as grandes obras de Saramago e profundo interesse de ler o que ainda não li, desde seus diários até os romances que ainda não tive em mãos.

Para lembrar de Saramago, para combater as saudades, revejo e insiro aqui a adorável animação de sua única obra admitidamente infantil, "A Maior Flor do Mundo", com narração dele próprio.


(especiais agradecimentos ao amigo Eduardo Januzzi, que me emprestou o livro, e também para minha sobrinha, Marina Prado, que me presenteou com o endereço deste vídeo já faz algum tempo).