De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

25/07/2012

PELO DIA

Como hoje foi o dia do escritor, repito aqui uma postagem de texto antigo, no qual a rigor revela-se a frustração por não ter conseguido efetivamente me tornar um - faltou e falta capacidade, mesmo, apesar de todos os experimentos...


Quando elas não valem nada

Palavra por palavra
a minha não vale nada.

Palavras são meros instantes,
não podem ser nada além
de fruição momentânea quando não
repercutem em atos
nem em fatos.

Palavra tantas vezes é receio,
receio de viver. Vida 
na complexidade dos atos,
mas atos nem sempre são
repercussão de palavras.

Porque palavras se vão com o vento,
com a brisa espessa que assusta o amor.
Diluem-se no líquido sagrado da suposta alma,
num banho de lágrimas...

Tudo quase para sempre assim será
e o que ainda não pode ser dedica-se
a ludibriar o passo tranqüilo de quem
um dia imaginou-se simples mortal.

Mas mortal é aquele que vive. E 
viver é a complexidade dos atos - ou fatos -,
não das palavras. Palavras traduzem existir.
E, se por falsas,
se por retratistas imediatas,
palavras não são vida; de simples mortal,
torno-me característica passiva da existência.

Existindo
para poder, com ou sem palavras, 
um dia aprender a viver.

14/07/2012

ENQUANTO ISSO, NUM DISTANTE MÊS DE JULHO, 20 ANOS ATRÁS...

O Mesmo Lugar

As crianças sangram
carregando as pedras da pirâmide;
elas não podem se cansar, 
é uma poção de suor e sangue.

Falta o catalisador da lágrima - 
mas elas não podem chorar,
elas não devem gritar, 
valem seus suspiros e olhos fechados.

Nunca ouviram falar em liberdade
pois,
se ouvissem,
as convenceriam que são livres
tanto quanto peixes num aquário.

Os dias surgiam
cada noite caía,
como rochas em telhas de vidro.
Silêncio absoluto, sem gemidos,
sem murmúrios.

Estão cegas, mudas, surdas,
mas sabem tão bem o que acontece,
embora não façam ideia do que acontecerá
na velha sempre nova aurora.

E o mundo as conhece bem
ainda que finja não vê-las!,
porque nada pode ser maior
que a piedade de si mesmo.