De Alberto Caieiro, "em Pessoa":

"Pensar incomoda como andar na chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais"

31/12/2012

Parte 4 - "A menina que roubava livros" (The book thief), Markus Zusak

Foi uma releitura.
Espetacular. Poderia acabar por aqui, mas vamos lá... Reler é ainda mais espetacular do que ter lido pela primeira vez.
Já falei do autor: http://www.soexperimentos.blogspot.com.br/2012/10/resenha-eu-sou-o-mensageiro-messenger_20.html
O australiano Zusak deve ter feito aqueles cursos de graduação, muito comuns nos EUA, para formação de escritores. Mas acontece que, se  isso serviu para torná-lo o escritor que ele é, que bom!! Pois, se ele já tinha demonstrado uma habilidade para técnicas narrativas diferenciadas no "Mensageiro...", na "Menina..." ele se sobressaiu. É técnica de best-seller, indiscutivelmente. Mas serviu à história. E, ah, a história...
Fiquei inconformado com o final do livro. Inconformado simplesmente porque ele acabou, porque não teria mais a história. E um final perfeito, com uma frase final que é um avassalador nocaute.
Livro belíssimo, tocante. As cores e o cinza. O amor mais sincero que nunca se demonstra. Maturidade à forceps. A generosidade na pobreza. Amores infantis. Sobrevivência, apego ao fato de estar vivo. O eterno combate contra o maior dos oradores, no meio dos sonos, inclusive àqueles de dias pós dias. Outro lado da Alemanha sob o nazismo (um lado que o maniqueísmo consciente ou inconsciente nega a todo custo).
Um bom punhado de personagens fantásticos, viscerais, humanos, de corações cheios e quentes. Até a narradora da história (não é humana), mostrou um lado humano (segundo ela mesmo, será??) gigantesco. Grande o esforço para resistir a tentação de pinçar várias e várias frases espetaculares, mas o que adiantaria fora do contexto?
Quantas lágrimas, e quanta vontade de continuar a derramá-las, mas o livro acabou...
Nas edições até aqui da Editora Intrínseca, até a capa é espetacular, perfeita - mas isso você só percebe, só entende, após a leitura.
Ah, não leu ainda? ´Tá esperando o quê?

Parte 3 - "O Seminarista" e "José", Rubem Fonseca

Tentando ser como ele...
Tenho profunda admiração pelo romancista Rubem Fonseca. Alguma reserva sobre seus contos.
Agrada-me a fluência de sua narrativa. A economia de palavras para descrever fatos ou narrar atos. A técnica de adjetivar com substantivos. Brilhante.
"O Seminarista" trata de um assassino profissional que decide abandonar a carreira, o que deixa mais fácil perceber seu viés epicurista. Comida, vinhos, mulheres. Como todo bom personagem de Rubem Fonseca, as mulheres o adoram e trepam (expressão muito fonsequiana) com ele sem muitas reservas ou considerações.
O livro prende. Tem uma história. É de um domador da língua, grande narrador. Ótimo passatempo, mas é revisitar vários outros romances do homem.
Aí, tem "José". Problema, para mim, é que trata-se de uma narrativa sem história. A infância, as mudanças, os choques econômicos da família; o autodidata José, que se tornou bacharel em direito e resolveu ser advogado dos pobres (que, pra variar, conheceu e trepou com um montão de mulheres). Pareceu-me uma coleta de reminiscências da própria vida do autor, embora anunciadamente ficcional. Quem é José? 

Parte 2 - Assassinato na Academia Brasileira de Letras, Jô Soares.

Misturar realidade e ficção, história e ficção. Forrest Gump, filme maravilhoso, completo, assistindo você ri, chora, enraivece-se, comove-se, indigna-se (roteiro adaptado de livro, por sinal).
Jô Soares "saiu" com um Xangô de Baker Street: com auxílio de dezenas de pesquisadores, misturou um pouco da história da cidade do Rio de Janeiro com uma passagem do londrino Sherlock Holmes pelo Brasil. Bom livro, grande divertimento, muitas curiosidades, grandes sacadas!
Depois, veio o "Homem que matou Getúlio Vargas", grande livro!! Um anarquista bósnio que viaja pelo mundo e termina no Brasil provocando a morte de Getúlio Vargas. Cômico, uma leve aula de história, e com a pesquisa integral do gordinho.
Agora, o "Assassinato..." já é abusar da boa vontade! De novo, a cidade do Rio, de novo, um grande mistério, de novo, um grande detetive (com um toque de Rubem Fonseca), e um desfecho previsível. Nam tão cômico assim o livro consegue ser.
Para mim, um fracasso. Li por curiosidade. Talvez valha para os fãs!

Parte 1 - antes que o calendário vire: resenhas, na ordem de leitura. Clube do Filme ("The film club"), David Gilmour

Conversando por telefone com meu amigo e compadre Renê, uns três meses atrás, por uma razão que não recordo exatamente ele citou o autor do livro, David Gilmour. Creio que muitos sabem ser este o nome do "lead guitar" do Pink Floyd, que ingressou definitivamente no grupo pouco antes da paranoia total do quarto fundador, Syd Barret.
Ouvira falar do livro anos atrás, quando do seu lançamento no Brasil. Atingiu a lista dos mais vendidos. Curioso com o tema (pai - David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd - "educando" o filho com 3 filmes por semana), várias vezes pensei em comprar o livro. Uma vez, inclusive, uma compra pela internet falhou (lembro porquê não...)
Pois é.
Ao ouvir sobre David Gilmour - autor do livro "Clube do Filme" - comecei digressões e cotejos sobre a obra e o nome do autor com o Renê (que sabe tanto de Pink Floyd e Rock´n´roll quanto eu sei a conjugação do verbo "enrolar" em aramaico), fiz uma rápida pesquisa na superultramaravilha dos tempos modernos - a intelnéte - e percebi que, como dissera o Renê, David Gilmour autor do livro era um cineasta-documentarista canadense.
Dias depois, ele e a Lu, sua companheira, me trouxeram o livro emprestado. Não lembro se num sábado ou domingo.
Comecei a lê-lo no final da tarde de segunda-feira.
Na terça, pouco após do almoço, com muito nó na garganta, terminei a leitura.
Para além de quem seja este Gilmour ou de quais filmes ele tenha utilizado - ótimos, bons, medianos, detestáveis, para o próprio selecionador -, o que me ficou, sendo pai, é o quanto pode ser ao mesmo tempo única e complexa a relação com um filho. E quantas "apostas" fazemos na relação, sempre na expectativa do melhor, mas assumindo riscos que nos levam ao desespero enquanto cada processo não se resolve.
O autor bancou o abandono da escola pelo filho com a tática dos filmes. Viu o garoto quase morrer pelo uso de cocaína - algo que, na indicação da narrativa, aconteceu apenas duas vezes. Mas, de aposta em aposta, a verdade é que tudo deu certo. E a inteligência e perspicácia deste pai, em vários momentos, é que me travou a garganta e enxaguou os olhos: conseguirei eu, diante tantos obstáculos, chegar perto desta sabedoria?
O grande mérito de Gilmour foi o de transparecer a emoção de se ter um filho, educar um filho, amar um filho; de situações que nos levam a transigir, que é o contrário do que faríamos caso não se tratasse da paternidade; e de sermos intransigentes e contraditórios na relação não de graça, mas porque tudo tem seu tempo, tem sua hora, e cada um tem sua individualidade, maturidade, etc.
Difícil.
Mas maravilhoso, razão de viver.
Leitura obrigatória para quem é pai. Mais ainda se pai de filho homem, pela especificidade da história.

21/12/2012

DE QUANTOS "FINS DO MUNDO" QUEREMOS FALAR??


Não sei por que entrou na minha cabeça que esse papo de fim do mundo seria às 6 da tarde. Certamente ouvi a bobagem em algum lugar.
Nos últimos dias estive pensando no “fim do mundo”. Olha, se houvesse outro tipo de ser vivo com inteligência similar ou superior à nossa, sei não, acho que isso poderia quase ser-lhes um desejo – fim do mundo no sentido “extermínio humano”, afinal, nunca entendi que o planeta Terra todo conheceria o fim – apenas estaria livre da presença humana - como diria o grande cantor, compositor, linguista e filósofo baiano, "se ele não aguenta mais as pulgas, se livra delas num sacolejo".
E, afinal de contas, não precisamos de nenhum fenômeno além das nossas próprias atitudes para gerar “fins de mundo”.
Júlio César, lá  pela metade do século I a.C., comandando exércitos romanos na tentativa de conquistar a Gália,  proporcionou a morte de 3 milhões de pessoas. Foi o fim do mundo para os gauleses.
Entre os séculos XI e XIII, das Cruzadas às estripulias de Genghis Khan, quase 40 milhões de muçulmanos morreram no mundo islâmico à Oriente. Para eles, fim do mundo.
Quantos nativos americanos, de Norte a Sul, morreram com a invasão e conquista europeia do continente? Dizem entre 50 e 100 milhões. Cadê os astecas? Cadê os maias, da tal profecia? Para eles, o mundo acabou bem antes!!
Das diferentes etnias e nações africanas, como calcular a quantidade de atacados, violentados, sequestrados, seviciados por obra da crueldade eurocentrista? Fim de mundo para eles, e especialmente para os que vieram para ser escravizados na América, mortos no mar, mortos em terra, mortos em tronco, mortos de fome, mortos doentes.
E o holocausto armênio pelos turcos, em plena 1ª Guerra Mundial? Fim do mundo até hoje para os herdeiros, pois o massacre de quase 2 milhões de armênios ainda não foi reconhecido pelos turcos.
Por sinal, e os 10 a 20 milhões de mortos da Primeira Guerra Mundial? Aquilo foi um fim de mundo!!!
E as 30 ou 40 milhões de mortes atribuídas ao regime stalinista, contra os “inimigos internos” do regime? Que fim de mundo!
Depois, 6 milhões de judeus caçados e exterminados na Alemanha pela mentalidade doentia de um homem, pela sua notável oratória e pelo medo e rancor que inspirou em outros milhões? Mais um holocausto, mais um fim de mundo!
Segunda Guerra Mundial, não nos esqueçamos: tem quem fale em 60 milhões de mortos. É ou não é o fim do mundo?
Indispensável falar de Hiroshima e Nagazáki: o quê pensou quem viu e sobreviveu àquilo?? Quase 200 mil mortos no tempo de se piscar os olhos duas vezes...
Holocausto cambojano, mais 8 milhões de mortos.
Guerra do Vietnã, 6 milhões de vietnamitas e 500 mil estadunidenses.
Sem falar de católicos contra huguenotes na França, belgas no Congo, franceses na Argélia, Revolução Cultural, regimes militares nas Américas Central e do Sul, hutus contra tutsis em Ruanda... E na China, 30 milhões com Al Lushan, dezenas de milhões em manchus contra mings, outros tantos na guerra do ópio...

Sem asteroide. Sem terremoto. Sem tsnuami, desabamentos, nevascas, tempestades, maremotos. Só pela ação humana.
Como disse dona morte, “constantemente superestimo e subestimo a raça humana (...) raras vezes simplesmente a estimo”.
Alguém aí ainda quer falar de fim de mundo?